quarta-feira, 28 de junho de 2017

Memórias de uma mulher de ferroviário - parte III

       Já tínhamos morado neste lugar. Os moradores eram poucos, pois os muitos operários foram indenizados e foram embora do lugar. Eu fiquei muito feliz e ao mesmo tempo, triste porque  eu voltei para a terra natal. Feliz por quê? Porque o capricho do meu marido foi impressionante: tudo muito arrumado, os móveis simples mas tudo pintadinho, a casa toda pintada, calçadas feitas com pranchas de madeira, tinha até um pequeno quintal. Foi a partir daí que eu comecei a viver minha vida, muito feliz. Porque, como se dizia naquela época: se quisesse ser alguém na vida, você tinha que rolar. Mas essa alegria não durou muito tempo, logo veio a notícia que o Zezo tinha sido transferido para Canivete, estação depois de General Osório (Mafra).Ao fazer a mudança, tivemos que ficar três dias dentro do vagão junto com nossas coisas, porque a casa em que moraríamos estava há muito tempo abandonada, sem condições de nela morar. Não durou muito tempo e, novamente o Zezo foi transferido, desta vez para a localidade de Bugre, outro lugarzinho feio. Meu marido gostou de lá, porque na folga dos trens de carga ele podia sair na companhia de um amigo para pescar e caçar. Quando voltava pra casa, sempre me trazia um agradinho que comprava no trem: Chocolate, maçã, revista O Cruzeiro.
Eu, sempre me preocupava quando ele saia pra caçar e chegava tarde da noite. Nós morávamos na estação, não tinha luz elétrica, só lanterna e lampião, rodeado de mata. Atrás da estação tinha um barranco e mais adiante um pinheiral, onde os jagunços mataram muitas pessoas e deixaram seus corpos pendurados nos pinheiros. Em frente a estação, passavam muitos andarilhos que perambulavam sobre os trilhos e dormiam na plataforma. Mais adiante passava o rio Negro. Quanto medo eu passei sozinha naquela época!
Mas, o que divertia, é quando o sinhozinho Fermino Pacheco ia para Curitiba com a família, pois eles eram as pessoas mais respeitadas do lugar, a casa deles, que eu considerava uma mansão, ficava depois do pinheiral. O trem passava às onze horas. A família já vinha para a estação, lá pelas 9 horas, por um carreiro, pois não havia rua. Primeiro o senhor Fermino e logo atrás a esposa, todos encasacados. Em seguida, vinham os empregados, os peões que traziam a bagagem, depois as damas da esposa  e por último a cozinheira e os cachorros. Era divertido vê-los. Quando voltavam de Curitiba era a mesma coisa. Também tinha um irmão do seu Pacheco que morava um pouco mais adiante. E, o homem morre. Imaginem a festa!!! Churrasco a noite toda, não era pra deixar ninguém sem comer, veio gente de tudo quanto era lugar, e um monte de afilhados do seu Pedro Pacheco. Os peões mataram um boi e a comilança se estendeu por todo o velório. As mulheres que sabiam costurar, costuraram a noite toda, porque a família tinha que acompanhar o enterro todos de preto pra demonstrar luto (esta roupa se vestia por um ano). Eram três ou quatro filhas, mais a esposa e alguns parentes. Nunca costurei tanto como pra aquele velório. Eu cortava o tecido, que tinha sido comprado em Três Barras e as outras mulheres passavam a máquina. Mas, que foi todo mundo da família de preto, foi. O caixão com o falecido atravessou o rio Negro num bote. Um velório desse era um divertimento na época.
Tempos depois, comecei a ficar doente, devido ao lugar. Atacou-me um reumatismo! Então o Zezo pediu para a chefia de Curitiba, departamento pessoal onde meu tio era um dos chefes, a sua transferência. Demorou, mas saiu. O Zezo podia escolher Marcílio Dias ou Três Barras. Escolhemos Marcílio Dias, onde moramos em três casas alugadas. Depois mudamos para o restaurante, após a saída da dona Nena (Petronilla Dittrich), mãe da Doutora Adaír. Fiquei um ano e meio no restaurante mas, preferi sair porque não me adaptei. Foi aí que, o Francisco Pazda assumiu o restaurante e mais tarde se casou com a Beti e tocaram o restaurante por muito tempo. Nos tornamos  amigos, a família ferroviária sempre foi unida. Devo muito, também a dona Regina Aguiar. Quando cheguei para morar em Marcílio eu não conhecia ninguém, fui morar onde era o açougue do Brudi. Um dia, aquela senhora simpática, bateu em minha porta e ela falou que veio fazer uma visita, porque achava ruim alguém vir morar num lugar onde não se conhecia ninguém. Fizemos amizade também, com o casal Wando e Jurema S, gente muito boa. Dona Regina me convidava sempre pra irmos no cemitério todo sábado, onde ela levava flores pra seu pai que ali estava enterrado. Também íamos assistir aos jogos de futebol e não perdíamos um velório. Agradeço muito a ela por tudo que fez por mim. Outra pessoa amiga foi a Ecilda Borba Gallotti que me ajudou muito quando chegou minha primeira filha, pois eu não tinha nenhum parente por perto. Ela trazia para mim, pão feito, lavava as roupinhas da minha filha. Outra pessoa que muito fez por mim, também, foi o Pedrinho Gallotti, ele cuidava da minha filhinha pra eu poder fazer fazer o serviço de casa, no seu colo ela dormiu muitas vezes. As crianças do Pedrinho e da Ecilda cuidavam também da minha filha puxando ela num carrinho. Quando ela aprendeu a andar, fugia por um ripa solta da cerca e corria para o restaurante, a Beti cuidava dela e a Beatriz brincava muito com ela. A dona Ivanira Campos também foi uma grande amiga. É como eu já escrevi: éramos uma grande família, uma família de ferroviários.
CONTINUA....
Dona Irene.
 

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