O Brasil, desde a conquista
portuguesa em 1500, teve sua base econômica no litoral. Com a descoberta do
ouro no final do século XVI começaram a surgir os caminhos para o interior e
que seguiam os antigos traçados indígenas, como o Piaberu. Surgiram assim
vários caminhos de tropas para o interior. A construção de estradas para o trânsito
de carroças, só ocorre no século XIX.
Uma dessas foi a estrada Dona Francisca, iniciada em 1853 e tinha como objetivo
chegar ao Paraguai. Mas o transporte de mercadorias de grande volume, como a
erva-mate e madeira, era lento e o frete se tornava muito caro. A solução para esse problema foi
apresentada pelo engenheiro João Teixeira Soares, por volta de 1885. Entregou
ao governo imperial, um plano de construção de ferrovias, ligando São Paulo,
Paraná, Santa Catarina e o Rio Grande do Sul, no sentido norte/sul e a partir
desse tronco principal, ramais que
atingiriam o litoral dessas Províncias, atuais Estados. Fez estudo por conta
própria e convenceu o governo imperial de que essa ferrovia ira favorecer a
colonização na região sul do Brasil. Soares recebeu a concessão das mãos do
imperador D. Pedro II no dia nove de novembro de 1889 e no dia 15 foi
proclamada a República. O governo provisório republicano, analisou a
viabilidade do projeto e ratificou a concessão em sete de abril de 1890.
Segundo Thomé, (1980), “Nesse ano Teixeira Soares tratou de levantar o capital
junto aos investidores europeus. Obtendo êxito nessa empreitada na Inglaterra e
na França, fundou a Compagnie Chemins de Fer Sud Ouest Brésilens, para a qual
transferiu a concessão.”
Em 1892, uma comissão de engenheiros
chefiados por Lauro Müller, visitou São Francisco e escolheu o melhor local
para iniciar a construção da estrada de ferro ligando o porto de São Francisco
até a vila de São Bento. O primeiro trecho ligando São Francisco a Joinville
foi inaugurado em agosto de 1906, pelo presidente Afonso Pena.
Os trabalhos no tronco principal
estavam sendo realizados, quando em 1894, parte da concessão inicial, foi
adquirida pela Companhia Estrada de Ferro São Paulo Rio Grande, cabendo-lhe
construir o trecho Itararé ao Rio Uruguai. Por solicitação da Companhia, o
governo republicano, pelo Decreto no. 3947 de 7 de março de 1901, autorizou à Companhia a realizar estudo para
a implantação do ramal ligando São Francisco a União da Vitória.
Os trabalhos
continuavam em ritmo lento quando o catarinense Lauro Müller foi nomeado
Ministro da Viação e Obras Públicas. Este convidou Percival Farquhar,
capitalista norte-americano a investir no Brasil. Farquhar veio e fundou a
Brasil Railway, (1906) que adquiriu o controle acionário da Companhia Estrada
de Ferro São Paulo Rio Grande.
Com grande soma de recursos houve
aceleração na construção do tronco principal ligando São Paulo e Rio Grande do
Sul. Das obras desenvolvidas por Farquar, destacou-se a do ramal ligando, o porto de São Francisco do Sul ao
tronco principal.
A trecho entre Rio Negro e Porto
União, teve seu projeto aprovado pelo
decreto 7492 de 5 de agosto de 1909 e passava por Três Barras onde o Sindicato
Farquhar instalou nesse ano a Southern Brazil Lumber and Colonizatin Campany, uma
serraria para realizar o beneficiamento de pinheiro e imbuia e para desenvolver um projeto de colonização.
Para isso adquiriu 74 mil alqueires
de terra na margem esquerda do Rio Negro, proximidades de sua confluência
do Rio Iguaçu, entre as vilas de
Canoinhas e Rio Negro e fixou a serraria em Três Barras.
Pelo projeto original,
a ferrovia no trecho Rio Negro a Porto União, passava de Três Barras. A linha
seguia em direção a oeste, passando por Canoinhas e seguindo sempre por terreno
seco até alcançar Porto União. Em 1912 o trecho Três Barras a Canoinhas já
estava demarcado e a estação ferroviária já estava contratada. Segundo Stulzer
(1980...)
“Em outubro ou novembro de 1912 um
empreiteiro, por uma dívida de 500$000, é assassinado pelo alferes Mustapha, da
Polícia. O criminoso foi processado, os demais soldados recolhidos a
Florianópolis. Mais do que isso o governo não podia fazer. E aí vieram os tucos
(1), na noite de Natal, até a igreja, os fiéis aguardavam a entrada da missa do
galo. Depois desceram. Eram 13, soltavam fogos, discursavam diante da casa dos
funcionários do governo e voltavam a pé da colina da matriz. Numa bodega
tomaram uns goles de muita virtuosa coragem (ali havia uma cartomante). Nesse
ínterim aproximam-se os civis, incumbidos, pela Superintendência, de zelar pela
ordem e tranquilidade. Um deles já foi esfaqueado. A seguir dirigiram-se à
cadeia para libertar os presos. Mas os homens da lei aí os prendem, e
juntamente a cartomante.
O engenheiro procurou de toda
forma soltar seus homens. Antonio Tavares, encarregado do policiamento, não
amolecia. O engenheiro passou a mal criações, “O senhor diz mais uma palavra e
vai para a cadeia também”.
Ai parou. O valente americano pegou o chapéu e
saiu: “Vou embora! Canoinhas vai se arrepender!
E
assim aconteceu que a estrada de ferro não passasse por terrenos firmes, mas
por banhados a seis quilômetros da vila. O americano não pode colocar a estação
mais longe. Isso lhe doía.” (2)
A descrição de Frei Aurélio Stulzer,
baseada na Crônica de Canoinhas de Frei Menando Kamps, traz informações
bastante interessantes para a História de Marcilio Dias. A estrada de ferro,
tinha como passagem obrigatória Três Barras,
pois era ponto principal para escoamento da madeira produzida pela Lumber, para os portos de São
Francisco e Paranaguá. De Três Barras, a linha dirigia-se para a Vila de Canoinhas. Por causa de um
desentendimento, o engenheiro chefe mudou o trajeto da estrada, que tomou a direção norte para depois seguir
o curso dos rios Negro e Iguaçu. Essa mudança trouxe alguns problemas para a
Companhia. Concluído o trecho entre Três Barras e Marcílio Dias, foi aberto ao trânsito em 1o. de abril de 1 913, ligando
as estações de Hansa, atual Corupá, a Canoinhas, atual Marcilio Dias, conforme
Thomé, em o Trem de Ferro. Vasconcellos e Pfeiffer, (1993, p. 377), citando
Ediberto Trevisan, da Gazeta do Povo, de Curitiba, de 02.08.1988, afirmam que o
trecho de Três Barras a Canoinhas foi inaugurado em quatro de outubro de 1913.
Se não houvesse o desentendimento
citado pelo padre, Marcilio Dias teria ficado de fora da rota da rede
ferroviária e com certeza a sua história seria outra.
A mudança de direção da estrada de
ferro trouxe o casal de imigrantes italianos, Pedro e Teresa Gobbi, que construíram
um hotel e restaurante, para abrigar a equipe de engenheiros e técnicos
responsáveis pela construção do trecho. Durante a guerra do Contestado de 1912 a 1915, os trabalhos de construção da
ferrovia continuaram em ritmo lento, sendo concluídos somente em 1917. Estes foram
alguns dos motivos que levaram o casal Gobbi a desistir de acompanhar os
empreiteiros e optassem por ficar residindo em Marcilio Dias.
Com a abertura do tráfego de trens,
a partir de 1913 inicia-se a ocupação efetiva das terras de Marcílio Dias.
(1) Tucos: operários que trabalham na
construção da estrada de ferro, removendo terras.(Dicionário Aurélio p. 1447)
(2) STULZER, Frei Aurélio. A Guerra dos Fanáticos
(1912-1916) A contribuição dos Franciscanos. Rio de Janeiro: Ed. Vozes, 1981, p. 117.
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Estação de Marcílio Dias, década de 80.
Texto de Antonio Dias Mafra, Professor e Coordenador do Curso de História
UnC de Mafra. |