terça-feira, 4 de fevereiro de 2025

Duas mulheres, duas gerações e amores tão parecidos

    O distrito de Marcílio Dias é uma das partes mais pitorescas e cheias de história do munícipio de Canoinhas. Muitos moradores tem origem e sobrenome alemão. Nas primeiras décadas do século 20 era um reduto teuto o idioma alemão era de uso corrente e usado na escola. Neste ambiente fechado há belas histórias de amor e rebeldia. Vale a pena conhecer a história de Emília e de sua filha Olívia que lutaram por seus amores e criaram famílias numerosas. Interessante é que a epidemia de febre amarela que grassava o litoral catarinense serviu de catalisador para unir as personagens.  

    A história de Emília Groth começa em Corupá onde os pais Carlos e Lúcia moravam. Ambos alemães nada falavam da língua da terra. Carlos homem instruído era famoso pelo seu voluntarismo. Tinha se determinado a aprender o português. Para tanto foi trabalhar em Rio Negrinho onde as duas línguas eram amplamente usadas pelo germânicos e também por muitos brasileiros que a convivência fizera dominar o alemão. A viagem era pelo trem que desde o ano de 1907 cortava toda a região. Alemães de Joinville, Jaraguá, Corupá, São Bento, Rio Negrinho, Mafra e Marcílio Dias se comunicavam pela estrada de ferro. O temperamento forte de Carlos fez com que brigasse com o pastor luterano de Corupá e os filhos ficaram sem batismo. Para fugir da epidemia de febre amarela que grassava na planície litorânea Carlos se mudou com a família para Marcílio Dias. Emília tinha nascido em 1912 e quando chegaram em Marcílio Dias em 1918 não tinha sido batizada. 

  Paulo Jarschel nasceu em Joinville em 1898. Aprendeu o ofício de ferreiro e em 1918 também tinha chegado em Marcílio Dias fugindo da febre amarela. Conheceu a família Groth e foi convidado para ser padrinho de batismo de Emília. Ele adorou a ideia. Gostou tanto que 9 anos mais tarde estava casado com a afilhada que então com 15 anos era linda moça de cabelos escuros, pele alva com olhos verdes. A diferença de 14 anos entre os dois e os comentários da comunidade não foram obstáculos suficiente. O amor venceu tudo.

  Este mesmo amor fez com que o casal tivesse 13 filhos que foram nascendo criteriosamente a cada 2 anos. Apenas a mais velha morreu ainda criança. 

    A mais velha dos doze era a Olívia que nasceu em 1929. Depois vieram os outros: Ziegfrid, Erbert, Conrado, Ruth, Rubens, Edinor, Elisabeth, Valfrido, Martinho, Matilde e Lucia. Olivia lembrou que o pai trabalhava para toda poderosa empresa Wiegando Olsen, e que, Marcilio era uma vila movimentada com muitas empresas e uma estação de trem por onde chegavam pessoas e novidades. O pai tinha trocado o ofício de ferreiro pelo de serrador. Sua jornada era até as 18 horas e depois seguia para a roça. 

Durante o dia Olivia e Ziegfrid trabalhavam no roçado. 

    A família morava numa das casas da empresa. E quando a menina Emília com seus 9 anos seguia para o roçado um moço moreno empregado da fábrica sempre implicava com ela. Soltava gracinhas e a pequena loiras de olhos azuis baixava a cabeça, sentia uma raiva surda do impertinente e seguia adiante. 

   Aos 15 anos começou a reparar com atenção no homem moreno que olhava mais já não dizia gracinhas. Aos 16 anos em um baile os 2 começaram a namorar. Ele se chamava José Gonçalves.

  Olívia ficou sabendo que José era natural de Guaramirim e tinha se mudado para Canoinhas com outros irmãos também para fugir da febre amarela. Vinte anos depois de seus pais, a mesma epidemia a fazia encontrar o amor.

   A família foi contra, a comunidade condenou. Ele, moreno demais, um negro para os padrões alemães e ainda 11 anos mais velho. Olívia estava apaixonada e nada a demoveu. Ao entrar com o namorado na igreja evangélica foi advertida que a comunidade não queria um negro em seu meio. Olívia nunca mais frequentou o templo luterano. Tornou-se católica como José.

    Da infância ela lembrava da escola São Bernardo onde um único professor lecionava para 81 alunos. Ensinava nas duas línguas: alemão e português. Lembra, mais tarde, da segunda guerra mundial como um tempo de carestia e racionamentos. Faltava trigo e gasolina. Contava com orgulho que os 7 irmãos serviram o Exercito Brasileiro.

    Em seu casamento ela dizia que foi feliz. Teve 7 filhos: Valdir, Luiz Carlos, Ângela, Vilmar, Eliane, Laercio e Dilnei. Teve dores que a marcaram o pai morreu em 1965 , o marido 1985. Mãe e filha ficaram viúvas e em 1998 a mãe também se foi. 

Paulo e Emília Jarschel com os filhos Olívia
4 anos e Ziegfrid 2 anos.

À esquerda em pé,José Vicente Gonçaves (Buca)e dona Olívia
com o Valdir no colo. Em seguida, Ziegfrid, Erbert ,Conrado,
Ruth e Rubens. O menino à esquerda é o Edinor, Valfrido e
Elisabeth no colo.
Casais: Paulo e Emília Jarschel e Carlos e Lúcia Groth.
                                
Casal Vicente e Caetana Gonçalves. José, o Buca, é o 
primeiro à direita.

À esquerda, José Gonçalves (Buca) com a esposa Olívia e
 familiares.

Casal José Gonçalves e Olívia, Arno Voigt que tocou gaita na
Banda Wiegando Olsen, Edinor, Rubens e Ruth.
O grupo posou para a foto em frente a um paiol que ficava nos
fundos da casa da família em Marcílio Dias. Hoje a rua se 
chama  Carlos Groth.

Bodas de prata do casal José e Olívia Gonçalves (1972).
Da esquerda para a direita, Graça e Zizo, Vilmar, Eliane,
Ângela, Marlene e Valdir o Laércio entre o casal. As crianças: 
Rogério, Dilnei e Gilson.
                      
Encontro das famílias: Jarschel, Gonçalves, Silva e Voigt.
23 de março de 2017.
                                 
Casa onde morou o casal José Vicente e Olívia Gonçalves.
Rua Carlos Groth.


Texto adaptado do Jornal Correio do Norte de 8 de março de 2002.

A entrevistada Olívia Jarschel Gonçalves faleceu em 22 de novembro de 2014.
 
Fotos do acervo da família Gonçalves e digitalizadas por Fátima Santos.

Digitação: Patrick Neizer dos Santos

Nenhum comentário:

Postar um comentário