A guerra terminou, mas ninguém
está dispensado, - disse o Coronel Manoel Fabrício Vieira ao seu bando de
vaqueanos, com o fim da Guerra do Contestado. Coronel Fabrício queria continuar
com homens, principalmente com os de confiança, a cumprir suas ordens. Entre
eles havia vaqueanos certeiros de pontaria e também hábeis no manejo com arma
branca, provados em entreveros durante a guerra.
Os outros chefes civis, como
Pedro Ruivo, dispensaram seus grupos, mas continuaram vivendo como no tempo da
guerra, espalhando pânico nas cidades vizinhas ao conflito. Com eles, Neco
Vacariano e Adão Mendes, conhecido como Adãozinho, entre outros, cometeram
atrocidades em Serro Verde, Pangaré, Estiva, Mafra, Papanduva e por onde
passavam.
Coronel Fabrício fez posse e
legalizou uma considerável área de terras à margem direita do Rio Iguaçu, em
frente à estação de Jararaca, Felipe Schmidt, SC, a qual denominou Fazenda
Chapéu de Sol. O sustento do coronel e de seu grupo vinha da extração da erva-mate,
corte de lenha para a estrada de ferro e para os vapores que navegavam no Rio
Iguaçu.
Não muito afeitos a esse árduo
trabalho, o grupo comandado pelo Coronel Fabrício e seu genro Salvadorzinho,
conhecido como Dente de Ouro, fazia incursões por fazendas na fronteira SC/PR,
com saques e até raptos de donzelas. Homem odiado pela população da região, o Coronel
Fabrício, no regresso de suas barbaridades, cuidadoso, não voltava diretamente
para sua fazenda. Hospedava-se na fazenda de algum conhecido e ali permanecia
até quando se sentisse seguro para voltar. Nessas propriedades, quando havia
tentativas de saques por outros bandos, durante a presença do Coronel Fabrício
e de seu grupo, prevalecia a lealdade em consideração à hospitalidade do amigo
e a fazenda era defendida até as últimas consequências.
Certa feita, Salvadorzinho, o
Dente de Ouro, acostumado a espalhar maldade por onde passava, encontrava-se em
Valões. Ali, o valentão teve um entrevero com a polícia e tombou morto. Nunca
se soube, ao certo, quem foi o matador. Substituiu-o na chefia do bando, a
convite do Coronel Fabrício, um indivíduo com extensa ficha no mundo do crime,
filho de Conceição Sete Facadas. A fama do coronel e de seus comparsas, na
prática de atrocidades, ganhou fronteiras e ele já aceitava algum trabalho
extra, que consistia na eliminação de pessoas inimigas dos que podiam pagar por
esse trabalho, entre outros golpes.
Foi então que o Coronel Manoel
Fabrício Vieira, planejou o mais ousado golpe de assalto a trem de passageiros.
Era o ano de 1929, o trem expresso ou trem de tabela fazia a ligação
Curitiba-São Francisco do Sul e Porto União, com conexão em Mafra, passando em
Jararaca por volta das 19 h.
A cada dois dias o Coronel
Fabrício mandava comprar jornal. Assim, mantinha-se informado sobre a
movimentação de pessoas importantes que viajavam nos trens, que, geralmente,
traziam valores para efetuar pagamentos de funcionários e obras do governo. O Coronel
Fabrício ficou sabendo que no trem de passageiros daquele dia, viajaria um tenente
do Exército, com o pagamento destinado a um Batalhão Ferroviário que estava
construindo a estrada de Barracão (SC). O valor era estimado em 200 contos de
réis (200.000$000). O astuto coronel, que arquitetou o assalto, começou a pôr
em prática seu ousado plano.
À tarde, apareceu na estação seu imediato, o
filho de Conceição Sete Facadas, um sujeito de pouca conversa, queixo longo,
cabisbaixo e de olhar desconfiado. Com ele estava um indivíduo trajando roupas
remendadas e sapatos bico fino, contrastando contrastando com aspecto de
mendigo, porém não chegou a despertar suspeita.
Em seguida, apareceu um
telegrafista que havia se reunido ao bando. Ouvindo o “pode”, acenou ao
companheiro que esperou o agente da estação anunciar pelas três pancadas do
sino que o trem já estava entre Santa Leocádia e Jararaca. Eles esperaram que o
guarda-chaves se dirigisse à recepção levando a bandeira verde, o que
significava que a situação era normal para a chegada e passagem do trem.
O filho de Conceição foi ao
escritório e, baixinho, falou ao agente da estação:
– É um assalto. É melhor você se
render que vai terminar tudo bem. Agora entregue o aparelho do telégrafo ao meu
amigo. Não tente nada porque senão você é um homem morto.
O assalto transcorria conforme o
planejado, sem que ninguém desconfiasse, até a chegada do trem. Enquanto isso,
o Coronel Fabrício e seus homens se aproximavam. Alguns dos pistoleiros já
apareciam entre as pilhas de lenha aguardando orientação dele. Quando o trem
chegou, o primeiro a ser rendido foi o maquinista Napoleão.
– Saia da locomotiva e fique
quieto! Não faça nada, senão você vai pro inferno! – gritou um dos homens do
bando, ameaçando Napoleão, que tremia sem parar.
– Pare de tremer, gordo! Deixe de
ser medroso! Já sei. Você vai pegar na mão daquele sujeito e ficar de mão dada
com ele, seu maricas!
Napoleão, envergonhado e com
medo, pegou na mão de um sujeito mal encarado que estava no local. Apesar de
humilhado, o maquinista não ousou contrariar o bando, do qual ele já havia
ouvido falar.
Os homens do coronel Fabrício
invadiram os vagões e roubaram o que encontraram com os passageiros: dinheiro,
jóias, relógios e outros pertences de valor. No vagão de primeira classe
encontrava-se o tenente e sua valiosa mala, por precaução, colocada embaixo do
assento. Durante o saque, as malas que estavam no porta-malas do vagão foram
atiradas pelas janelas, caindo nas mãos de outro grupo de capangas do coronel
Fabrício, chefiados pelo Tenente Enéas, tio de uma das esposas do coronel. Tudo
foi muito rápido e, sem demora, um trem com poucos vagões se preparou para
transportar a maior parte do bando até a estação de Canoinhas, hoje Marcílio
Dias, lugar ideal para um saque, no entender do coronel. Era uma vila
constituída de colonos teuto-brasileiros, onde predominava a Família Olsen.
O que aconteceu na estação de
Jararaca se repetiu nessa estação. Renderam o agente e demais funcionários da
Rede e exigiram a entrega do aparelho de telégrafo ao telegrafista do bando.
Com o controle absoluto da situação, os salteadores se dividiram em grupos e
saíram pelo povoado onde se realizava uma festa de aniversário, com dança. A
presença dos malfeitores desencadeou pânico entre os presentes. Um rapaz,
apavorado, tentou fugir, mas foi mortalmente atingido por um balaço.
O saque rendeu pouco e o bando chefiado pelo
Coronel Fabrício, estava disposto a prosseguir até Mafra e saquear as duas
cidades: Mafra e Rio Negrinho e dali voltar a Canoinhas, nessa época Ouro
Verde, chamada de Vila, distante 4 km de Marcílio Dias, então estação de
Canoinhas. José Cassou era agente da estação ferroviária de Mafra. Experiente,
ficou intrigado com o silêncio dos aparelhos e com o sumiço do trem de
passageiros. Então, resolveu chamar a próxima estação, a de Barracas, e pediu
um “pode” simulado para um trem de forças do Exército, cuja mensagem foi
captada pelo telegrafista do bando, que avisou o coronel.
Estrategista, porém preocupado, o
Coronel Fabrício, ordenou ao maquinista Napoleão para abastecer com lenha e
água uma locomotiva, para ser largada na linha, sentido Mafra, com o objetivo
de obstruir a passagem do trem de força. Com os ponteiros indicando alta
pressão, Napoleão soltou os freios devagar e permaneceu embarcado até a chave
de desvio, para aí saltar da máquina, pois se não o fizesse, os melhores atiradores
do bando tinham suas armas apontadas para ele, com ordem para atirar.
A locomotiva, sem maquinista, foi
parar na linha entre Três Barras e Bugre. Marcelo Cassou, irmão de José, era
agente da estação de Bugre e, ao final do expediente, recebeu o “boa noite” de
Mafra, fechou a estação e foi dormir, pois até esse momento não havia percebido
nada de anormal.
Apreensivo com a possibilidade de
algo sair errado, o Coronel Fabrício determinou o regresso para a estação de
Jararaca. Apesar de frustrado com a notícia do “trem de força”, o coronel
confiava no conteúdo da mala do tenente, que imaginava estar em poder de seus
homens. A retirada ocorreu às pressas. Assim, as localidades de Piedade (hoje
Taunay), Lagoa do Norte (Paula Pereira) e Santa Leocádia foram poupadas.
De volta a Jararaca, outras duas
locomotivas foram largadas na linha, uma sentido Mafra e outra sentido Porto
União. Os funcionários foram liberados e os aparelhos de telégrafo
inutilizados. A partilha seria feita na Fazenda Chapéu de Sol, do coronel
Fabrício, no Paraná.
A primeira mala a ser aberta
seria a do tenente pagador, que ficou com o tenente Enéas, homem de maior
confiança do coronel. Forçaram o fecho, mas não conseguiram abri-lo.
Impacientes, arrebentaram a tampa e, para a decepção de todos, só havia roupas
femininas. As outras malas também foram abertas e só havia roupas.
– Diabos! Fomos enganados!
reclamou o Coronel, desapontado.
No dia seguinte, a direção da
Rede, autoridades policiais e o Exército tomaram as providências para
restabelecer o tráfego de trens. Procederam a uma busca minuciosa nos vagões de
onde foram retirados objetos desprezados pelos saqueadores. Depois da revista
geral, apenas uma mala comum de viagem foi retirada debaixo de um assento de
primeira classe que viajara indo e voltando a Marcílio Dias, com dezenas de
bandidos. A mala e os outros objetos foram enviados à estação de Mafra e
entregues a José Cassou. Cassou jogou a mala embaixo de sua mesa, onde
permaneceu por algum tempo até que um dia o maquinista Napoleão chegou dizendo:
– No dia do assalto eu carregava
uma mala, com roupas da minha esposa, que desapareceu da locomotiva. Por acaso
ela está aqui?
– Aqui tem uma.
– É essa mesma! – disse Napoleão.
No entanto, a esposa de Napoleão,
reagiu dizendo que não era aquela mala e devolveu-a a Cassou, que a colocou
novamente debaixo de sua mesa.
Tempos depois, o tenente, que
portava a mala com o dinheiro no dia do assalto, em conversa na estação de
Mafra com José Cassou, comentou sobre o desaparecimento da mala com o dinheiro,
para o pagamento do Batalhão.
– Depois do assalto foram
recuperadas várias malas de passageiros e devolvidas aos seus donos. Só uma
mala, que foi encontrada debaixo de um assento do vagão de primeira classe,
ainda está no meu escritório, porque não sabemos de quem é. – Informou Cassou.
– Então é a mala do dinheiro! Por
segurança eu guardei debaixo do assento do trem, – e pediu para vê-la.
Cassou concordou, porém, por
precaução, pediu a presença dos superiores do tenente, de diretores da Rede e
abriu a mala que, além de objetos de uso pessoal, continha 180.000$000 (cento e
oitenta mil réis), a mesma quantia que o tenente portava no dia do assalto.
Todos ficaram surpresos.
– Eu nunca imaginei que essa mala
era a que trazia o dinheiro! Achei que ela estava com os bandidos. Agora,
assine esse recibo que comprova a entrega da mala, – disse Cassou, aliviado.
Mais tarde, o Coronel Fabrício
Vieira trocou o lenço vermelho, divisa que usava deste o berço natal, Lagoa
Vermelha, RS, pelo lenço verde dos Pretistas do Partido Republicano. Um dia,
quando seguia com destino a Curitiba, ao passar pela cidade da Lapa, PR, foi
denunciado. Sitiado no Capão do Soldado foi preso pelo delegado Nabi Mansur
Paraná, que o reconduziu para Canoinhas. Durante a prisão do Coronel, no
entrevero com a polícia, o filho de Conceição Sete Facadas foi assassinado e o
Coronel Fabrício foi atingido por um tiro de raspão. Conta Alexandre Weinhart,
nascido a 22 de outubro de 1914.
Texto do livro: Trens de Arnoldo Monteiro Bach
Foto: Fátima Santos |
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