Levar flores, acender as velas, fazer uma prece diante de um espaço onde os mais amados nossos que se foram estão é o ritual que se repete ano a ano neste dia, nesta época.
Um ritual de amor para homenagear aqueles que muito significaram em nossas vidas.
Um ritual simplificado agora que encontramos floriculturas abarrotadas com os mais belos, coloridos e variados arranjos florais.
Um ritual simplificado pelo fácil encontrar de guirlandas e coroas pelas esquinas do mundo.
Um ritual mais simplificado ainda com os inúmeros ramalhetes repletos das vibrantes cores das flores artificiais, aos nossos olhos tão naturais.
Diferente hoje, muito diferente daquele ritual que eu, deslumbrada, olhava primeiro e participava depois em minha infância.
As flores eram colhidas no imenso jardim que tomava todo o lado esquerdo e a frente de nossa casa naquela vila encantada onde nasci.
Tão ou mais importantes que as flores eram as coroas que no Dia de Finados deveriam ser colocadas sobre o túmulo onde jaz apenas a matéria dos nossos queridos entes cujo espírito para outra dimensão já partido havia.
Aquelas lindas coroas tinham o fundo verde dos cedros que rodeavam nosso jardim. E a maneira de montá-las, num estilo todo peculiar, era um trabalho de dias.
Primeiramente eram confeccionadas as brancas rosas que iriam dar vida ao círculo verde. De papel de seda. Papel de seda, matéria prima única para tudo que de bom gosto se fazia àquela época.
Recortados sob um molde de papelão os pedaços brancos de papel de seda iam sendo amontoados na mesa de nossa sala.
E depois, mãos de fada iam moldando as brancas pétalas, corrugando as pontas em um contínuo ir e vir de tesouras, enrodilhando-as como se enrodilham os finos e coloridos fitilhos de hoje. Tarefa nada simples, pois o frágil papel de seda branca fácil se rompia.
Pequenos e delgados araminhos eram as hastes das rosas de papel de seda. Na ponta de cada haste colocava-se um miolo desse mesmo papel que faria as vezes do miolo da flor.
E só depois, então, é que nas hastes iam sendo colocadas, uma a uma as brancas pétalas, já recortadas e enrodilhadas.
Chegada era a hora de se preparar o verde aro. Chegada era a hora de se colher os raminhos dos cedros. Porque necessário era que tenros e ainda frescos fossem colocados no grande arco de grosso arame. Grande arco de grosso arame de mais de um metro de diâmetro, cuidadosamente guardado para uso contínuo, ano pós ano.
E os tenros raminhos de cedro iam sendo colocados em torno do grande arco, envolvidos e amarrados com finíssimos e delgados pequenos arames. Colocados e amarrados com arte pelas mãos de minha mãe e de minhas irmãs mais velhas. Em dois polos da coroa eram colocadas maior quantidade de raminhos verdes, formando um arranjo que dava um efeito visual diferente.
No final de tudo o arremate branco com as rosas disseminadas em todo o contorno e formando um buquê na extremidade superior.
Algumas rosas ficavam na reserva para serem colocadas na grande cruz de concreto que meu nono Pedro Gobbi construíra já em mil e novecentos e trinta e dois quando falecera meu tio Pedrinho.
Era um tempo em que o Dia de Todos os Santos também era um dia santificado, um dia de folga em que as casas de comércio não abriam as portas, a serraria dos Olsen não funcionava e não havia aula.
Formava-se, então, uma romaria rumo ao cemitério para onde íamos todos a pé. Subir a íngreme colina com todo o carregamento que, não consistia somente de flores e coroas, mas, também de grandes garrafões cheios de água e mais toda uma parafernália para se limpar e polir os jazigos.
Ainda bem que a solenidade das coroas era um apanágio apenas de Finados. Mas, visitar os nossos mortos, levar flores para alegrar aquele espaço era um ritual de ano inteiro em nossa família. Minha mãe subia, religiosamente, a colina de nossa pequena vila nas tardes de quase todos os domingos.
As visitas aos cemitérios foram, aos poucos, se esmaecendo no correr dos dias, no passar dos anos.
O ritual resumiu-se mais, além do tradicional da época de Finados, ao Dia das Mães, dos Pais e às datas de aniversário de nascimento e de aniversário de morte dos que se foram.
Mas, o mais importante, o cerimonial maior, é a homenagem que prestamos aos nossos maiores no dia a dia de nossa vida aqui na terra conduzindo-a com os ensinamentos que eles nos legaram.
Texto de Adaír Dittrich publicado no Portal JMais
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