quinta-feira, 11 de fevereiro de 2016

O Trem e o Resturante

      Foi em 1913 que os trilhos e o trem de ferro chegaram à estação de Canoinhas (hoje Marcílio Dias).
Meu Nono Pedro Gobbi construiu, com mais alguns carpinteiros, o prédio do Restaurante ao mesmo tempo em que a Estação Ferroviária estava sendo erguida e em que os trilhos estavam sendo colocados.
A chegada da ferrovia foi uma festa. Chegava o mundo em forma de jornais e de revistas. Chegavam pessoas novas e novas ideias e notícias novas para as pessoas. O que acontecia em Curitiba num dia no outro já se sabia aqui.
Mas também o terror viria com o trem.
A Primeira Grande Guerra ainda não havia começado de fato. Mas para o povo daqui já havia uma luta intestina da qual eu não falo porque historiadores de renome já a dissecaram: “A Guerra do Contestado”, que em criança eu sempre ouvia sendo chamada como “A Guerra dos Fanáticos” por meus avós e meus pais.
Foi no mesmo ano de sua construção que a estação de Canoinhas foi atacada, incendiada e destruída, consta que, pelos chamados jagunços. O Restaurante foi poupado. Outros jagunços modernos o estão destruindo e ateando fogo nele nos dias de hoje!
E a vila de Canoinhas sediou as tropas do governo que vieram para exterminar os chamados fanáticos.
Havia num terreno baldio, logo acima de onde fica o armazém da Rede Ferroviária, um enorme toco oco de imbuia. Era o dormitório secreto de um dos jovens soldados federalistas que nem sabia para o que havia sido destacado.
-//-
Muito tempo depois, apareceu outro terror na forma de um bandido que ficou conhecido como Coronel Fabrício.
Que, com seus jagunços assaltava os comboios. Que roubava dos passageiros e das pessoas nas localidades do entorno da via férrea.
Há realmente uma história do famoso pistoleiro da época, tão fantástica quanto as que assistimos em muitos filmes de faroeste, produzidos em Hollywood. Um comboio inteiro foi tomado de assalto, com o maquinista e foguista rendidos sob a mira de armas de fogo. E de vila em vila, de estação em estação a ordem era parar a composição e se iniciava o assalto generalizado a pessoas, casas de comércio, roças e o que mais encontrassem para saquear pela frente. Roubavam armas, munições, dinheiro, joias, mercadorias e alimentos. E as linhas do telégrafo também iam sendo sistematicamente cortadas.
Na vila de Canoinhas pouco conseguiram, talvez por pouco haverem encontrado. Do Restaurante nada roubaram. Fizeram, no entanto, ali as suas refeições, bebendo e comendo e desperdiçando tudo o que podiam e, quando enfim se despediram, amistosamente, mandaram colocar as despesas na conta do exército ou do governo.
Segundo minha mãe contava este entrevero teve início lá pela estação de Jararaca (hoje Felipe Schmidt) e teria continuado até Mafra. Alguns detalhes foram contados a meus avós e a meus pais pelo próprio maquinista que em um determinado trecho para além de Três Barras ou Bugre diminuiu a marcha do trem e se atirou pirambeira abaixo deixando os bandidos com a locomotiva à deriva. Locomotiva à deriva não quer dizer que ela saísse dos trilhos, mas nela já não se encontrava o comandante, que era quem sabia o momento exato de diminuir ou acelerar a marcha ou mesmo de frear a composição.
Do que eu me lembro é que, desde criança, aprendi a temer o pistoleiro Fabrício e seus jagunços. Qualquer homem, por pouco mal encarado que fosse seria a personificação do famoso bandido para os menores da época.
Divaguei em torno destas histórias que contavam meus pais e as histórias do Restaurante foram empurradas para outras direções.

Texto de Adaír Dittrich publicado no Portal JMais.
 

Foto: Durante a Guerra do Contestado (1912-16), tropas governistas partem da estação então chamada de Canoinhas para atacar os rebeldes no interior de Santa Catarina. Nesta época, Canoinhas era município paranaense. E a banda tocava… (Acervo Nilson Rodrigues)
 

Nenhum comentário:

Postar um comentário