quarta-feira, 3 de maio de 2017

Quando o frio era mais frio...por Adaír Dittrich


          Aos primeiros raios do sol, pisar, com os pés descalços, na grama cheinha de orvalho congelado é uma das lembranças dos tempos em que a geada era a paisagem das nossas manhãs de toda a estação fria que nos primeiros dias de abril já se iniciava. Longa estação gelada que se estendia até para depois de setembro.
            Umidade concentrada na parte interna das vidraças em puro gelo era transformada. E através do vidro transparente da janela e através do gelo transparente aderido à janela via-se a imensidão do branco pelos campos na distância espalhado.
            E as águas que nas bacias ficavam para se lavar o rosto no amanhecer, em pedras de gelo transformadas ficavam.
            Faces rubras pelo caminhar de encontro ao gelado vento.
            Grossos gorros, grossas mantas, grossos casacos, grossas meias, tudo tecido em lã pelas hábeis mãos de todas as mães.
            Caminhos congelados e escorregadios vencidos com vagar. Mas sempre vencidos.
            No caminho do trem entre a nossa vila e a cidade o gelo pendurado nas escarpas sombreadas pareciam grutas com suas estalactites e suas estalagmites. Eram cascatas congeladas que do alto dependuradas permaneciam dia após dia. Cascatas de gelo pendentes nas pedras por dias e dias enquanto durasse o inclemente frio.
            Muito tempo depois o caminho da vila para a cidade era outro.
            Eu passava pelos campos congelados da Charqueada, no meu quotidiano caminhar nas madrugadas, em rumo do hospital. E ficava a encantar-me com a brancura toda que refletia uma lua cheia a se despedir em seu poente no canto oeste do mundo, enquanto o sol começava a surgir do outro lado.
            Outro espetáculo inolvidável foi o de outro caminho. O caminho em outra madrugada enluarada rumo ao aeroporto na distante Curitiba. Aquela brancura infinita que se via sob a luz do luar desde aqui até lá.
            Ver o gelo na grama cintilando como estrelas, em toda aquela imensidão, com os primeiros raios do sol neles a incidir, enquanto por meu voo eu aguardava, é algo que na memória gravado fica pelos tempos sem fim.
            E no jardim de minha mãe o colorido dos amores-perfeitos recobertos por fina camada de congelado orvalho no amanhecer, deslumbrava a minha visão quando, ao incidir sobre eles os raios do sol da manhã, retornavam ao seu colorido sem par, sorrindo para o mundo, sorrindo para nós, como a dizer que do frio sempre se renasce feliz.

 

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