quinta-feira, 22 de dezembro de 2016

Lembranças de um eterno apaixonado pela ferrovia


  Orlando Gallotti, ex-ferroviário, conta como era Canoinhas na época da ferrovia


      Há 40 anos, no dia 30 de agosto de 1976, foi desativado o ramal ferroviário e o trem deixou de circular em Canoinhas. Esta é apenas uma das lembranças do ex-ferroviário Orlando Gallotti, de 82 anos. As memórias dele não estão nesta edição à toa, elas são nossa homenagem aos canoinhenses pela passagem dos 105 anos da fundação do município de Canoinhas.  
Ainda na década de 40, Gallotti entrou na Rede como aprendiz. "Entrei aprendendo com 15 anos e fui nomeado com 17. O lema naquela época era trabalhar. Ninguém judiava de ninguém e a gente tinha todo o apoio dos pais", relembra.
Orlando conta que trabalhar desde cedo foi excelente. "Nós tínhamos responsabilidade desde cedo. Para mim representou tudo trabalhar desde jovem. Nós tínhamos tempo para tudo: para brincar, mas tínhamos responsabilidade também", comenta.
Nascido na localidade de Floresta, atualmente município de Papanduva e que, na época, pertencia a Canoinhas, Orlando é filho de Pedro Ivo e Natalia; ele, gerente de serraria, foi delegado, rábula e escrivão e ela professora. Orlando é casado com Flora e possui cinco filhos: Gerson (in memorian), Gilson, Regina, Giovana e Marcelo. O casal tem 10 netos.

 Memórias

       As lembranças do ferroviário aposentado são o retrato de uma Canoinhas que deixa saudades. O município chegou a ter moegas no Distrito de Marcílio Dias para carregar mercadoria à granel. "Nós chegamos a carregar 42 vagões de milho por dia", lembra. A mercadoria vinha de Coronel Vivida/PR e outro lugar. "Vinha da Cotia e era tudo transportado pela estrada de ferro para a Marítima e Carapicuíba, em São Paulo, e para o Rio de Janeiro", lembra. O milho era financiado pelo Governo Federal que depois recolhia o grão. Erva-mate era transportada pela linha férrea. "Quando construíram Brasília foi muita imbuía, muita madeira daqui", conta.
"Houve um tempo em que ficou fraco o transporte, mas tinha uma época em que o transporte ferroviário aqui em Canoinhas era muito grande. Eu me sinto feliz por ter trabalhado na estrada de ferro. Eu gostava do serviço ferroviário por que era uma amizade muito grande que a gente tinha. Todo mundo se dava com todo mundo", afirma Orlando que também trabalhou em uma livraria que ficava nas proximidades da antiga Farmácia Allage. "Tinha um casarão de madeira grande e na frente tinha uma repartição onde ficava a livraria e atrás tinha o Cine Teatro Castelães". Quando Orlando trabalhou lá, na década de 50, o cinema já estava desativado. Enquanto atuava na livraria, praticou telegrafia na Rede.

Comunicação

      Orlando iniciou seus ofícios na Rede na telegrafia. "Eu era praticante de telegrafia. Depois virei telegrafista. Fui agente de estação, chefe de estação e supervisor", recorda.
Passou por Serra Alta, em São Bento do Sul, Canoinhas, Marcílio Dias, Caçador. Em Canoinhas, trabalhou na estação que ficava nas proximidades da prefeitura: "os trilhos saíam dali e passavam perto do ginásio do Santa Cruz e iam para Marcílio Dias".
      Na época em que Orlando trabalhava como telegrafista, a telefonia era ruim em Canoinhas. "Toda informação de urgência vinha para a estrada de ferro. Então era chamado de recado porque não era cobrado. Era necessidade", lembra. Mortes e nascimentos eram comunicados pelos funcionários da rede como seu Orlando. As comunicações eram feitas via Seletivo: um telefone especial que permitia a um centro de controle chamar qualquer estação de seu trecho e se comunicar simultaneamente com todas as estações chamadas. "Quando chegava um aviso de falecimento a gente tinha que levar até a casa da pessoa. Quem é que não vai levar um aviso de falecimento, né? Quando fazia plantão à noite, então você tinha que bater na casa da pessoa e dar o recado". Algum tempo isso era feito oralmente, em outros períodos os avisos eram recebidos na estação e transcritos para o papel. Este bilhete-telegrama era entregue então às famílias.
A comunicação também acontecia pelo telégrafo: "a gente entrava lá, aprendia o alfabeto Morse primeiro e depois ia praticando no manipulador e o ouvido ia educando. Você pega uma prática: quando é sensível é um ponto, quando é mais firmezinho, mas ninguém nota, só o telegrafista, é uma linha". 
Além de falecimento e óbitos, a população local tinha outras informações pela comunicação da Rede: quando o time de Santa Cruz ia jogar em outra cidade, o resultado da partida era conhecido por meio da ferrovia.  

Movimento
      Toda carga era deixada em Marcílio Dias. "Era deixada em Marcílio Dias e nós tínhamos uma manobra que ia buscar lá. Todo o dia, 9h50 ela saia daqui com os vagões de passageiro e ia a Marcílio Dias. Lá vinha um trem de Porto União, que ia a São Francisco".
Orlando conta que muitos vinham de trem fazer compras em Canoinhas. Quando deixou de funcionar, foi terrível para quem necessitava: "vinha muita gente fazer compra. E para o pessoal do interior foi um baque, na época", afirma.
Extinção do ramal

      Quando o movimento decaiu, não foi apenas em Canoinhas, de acordo com o ex-ferroviário. "Foi uns 10/15 anos antes de fechar". Um movimento encabeçado por comerciantes pediu a retirada dos trilhos do trem que passavam no centro do município. Até uma sessão na Câmara Municipal discutiu o assunto. "Na época do Jânio Quadros veio uma circular, uma ordem, que todos os ramais deficitários deveriam ser extintos. Daqui de Canoinhas a Marcílio dá quatro quilômetros. Era pouquinho. Fazendo o cálculo do que vinha neste trechinho o ramal era deficitário. Transformaram ele em industrial porque tiraram o trem de passageiro e mais tarde foi extinto o ramal".
Quando começaram a tirar os trilhos por onde passava a Maria Fumaça (porque a diesel não trafegava em Canoinhas) Orlando não trabalhava mais na Rede, estava aposentado.
Para ele, Canoinhas perdeu muito com a desativação da ferrovia: "um engenheiro me disse uma vez que muita gente pedia um ramal ferroviário em sua cidade e eu não sei se foi alguma comunicação daqui, a gente também não sabe, mas Canoinhas queria tirar o ramal. Ele não entendia porque um povo queria tirar alguma coisa que fazia bem".

 No passado com os pés no futuro

     Quando o assunto é logística, os especialistas são unânimes em afirmar que o transporte ferroviário é eficiente. Se for conjugado, melhor ainda. Hoje o Planalto Norte Catarinense luta para recuperar, por meio da Ferrovia do Frango, aquilo que ignorou no passado.
Orlando conta que havia necessidade de reformar o ramal e a estação na época da desativação. "A verba para limpeza era pouca, mas isso era meio geral na época por causa da economia", lembra.
O ex-ferroviário conta que Canoinhas teve transporte conjugado – um passado que nos faz falta e inveja. "A estrada de ferro é primordial para um lugar. Porque uma locomotiva reboca quantos e quantos caminhões, né? É preciso caminhão? Sim. Mas a Rede já tinha o transporte conjugado: caminhão e ferrovia. A Rede mesmo pegava no interior a mercadoria, colocava no vagão e retirava do vagão. Era o Rodoferroviário que diziam. Já estava havendo uma integração", lembra o ex-supervisor. "Para mim a ferrovia é um progresso. Canoinhas quem fez foi a ferrovia", destaca.

 Taunay
       Orlando morou em Taunay, interior de Canoinhas. "Nós crescemos vendo o trem", lembra. Taunay teve um hotel de propriedade de Adolfo Silveira. "Lá tinha também uma água sulfurosa, uma água muito boa pra tomar banho. Naquele inverno forte a água era quente, uma maravilha! E ela tinha um gosto de enxofre. Então tinha gente que parava no hotel do seu Adolfo Silveira...vinha gente de São Paulo se tratar ali. Cansei de ver gente diferente ali. Tinha uma casinha ali com um cano pra tomar banho. Bem pertinho do rio. A água escorria para o rio e parece que você via o sal indo para o rio." Orlando conta que com a venda do terreno o local, na época conhecido como Sonda, transformou-se em lavoura. Taunay era um local pequeno, mas tinha energia elétrica, moinho de trigo, fábrica de xaxim, marcenaria. "Tinha uma fábrica de xaxim. O dono tinha uma lancha, chamada moreninha, que transportava o xaxim pelo rio Negro e aquele riozinho que hoje está assoreado, o rio Taunay, ele subia com um barquinho carregado de xaxim, chamado Visconde de Taunay".
Estas memórias de Orlando mostram o quanto os especialistas em Logísticas estão certos: em certo limite Canoinhas parou no tempo com a extinção do ramal ferroviário.

 
Escrito pela jornalista do Jornal Correio do Norte Priscila Noernberg
Seu Orlando com a esposa Flora e a autora deste blog Fátima Santos
que sugeriu a reportagem.

Jornalista Priscila entrevistando seu Orlando.

Orlando e documentos da época em que trabalhava na rede.

 Seu Orlando na estação de Marcílio Dias.
(O segundo da esquerda para a direita)

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