A visita de
Júlio de Queiroz
Quando eu penso na quantidade de
informações e de conhecimento e cultura da vida e do mundo que um cérebro
privilegiado e em constante evolução, como o era o de Júlio de Queiroz, triste
eu fico de junto a ele por mais vezes não ter estado.
Sei
que Júlio jamais deixou de transmitir a sua sabedoria a seus circunstantes,
tanto em seus colóquios diários como em brilhantes páginas onde sua pena
extravasava o seu prodigioso eu.
Os
estudantes e professores da Escola Manoel da Silva Quadros e a comunidade de
Marcílio Dias tiveram a oportunidade de perto dele estar e com ele, por horas,
conversar quando aqui esteve trazido pela Unimed Canoinhas para mais um Encontro
Marcado. Para mais um dia de luzes e letras em nossa vila.
Em
uma cinzenta tarde de domingo ele embarcou em meu carro e junto comigo veio de
Curitiba. Vinha ao Encontro Marcado com estudantes do Colégio Colombo Sales, de
Três Barras, Almirante Barroso, de Canoinhas e para o Manoel de minha vila.
Já
de início Júlio impressionou-me com seu sorriso, sua voz forte e com uma
agilidade ímpar com a qual entrou no carro. Irradiava juventude. Irradiava uma
sábia juventude.
Foi
uma viagem cultural. Foram mais de duas horas de enlevo ouvindo Júlio contar de
sua vida, ouvindo Júlio contar de seus livros.
Sobreviveu
sorrindo à minha impetuosa velocidade na estrada e às bruscas e súbitas freadas
motivadas por intempestivas e repentinas paradas de pesados veículos que
seguiam a nossa frente.
Incólumes
e já sob forte chuva chegamos a Canoinhas. Depois de devidamente instalado em
seu hotel levamo-lo para jantar e então descobri que, além de vegetariano,
frugalmente se alimentava. E o jantar foi maravilhoso. Regado pelas
inteligentes palavras de Júlio que me conduziam para outras esferas.
Júlio
era monge beneditino. Entretanto não vivia a fazer pregações religiosas. Não
tinha a intenção de melhorar o mundo e quem nele vivesse com meras palavras
pomposas. Se alguém que o seguisse se transformasse, transformar-se-ia com seu
exemplo de vida.
Mas
eu quero falar do esplêndido dia de Júlio de Queiroz junto ao povo de minha
vila. Do dia de Júlio de Queiroz em seu Encontro Marcado junto aos alunos e
professores da Escola Manoel da Silva Quadros.
A chuva amainara. E o dia era de sol. Com
cantos e palmas Júlio foi recebido no improvisado auditório entre o pátio e os
varandões da Escola.
Onde
viu sua sorridente face estampada em camisetas que professores e alunos,
felizes, exibiam.
Onde
viu os trabalhos dos estudantes com variações sobre temas de suas obras
adornando paredes.
Onde crianças
declamaram poemas de Júlio. Onde crianças contaram histórias baseadas em livros
de Júlio.
Onde crianças se
transformaram em personagens dos contos de Júlio em cativantes cenas teatrais.
Onde
Júlio contou de sua vida. De sua vida-criança no Espírito Santo de onde um dia
saiu para vir morar em nossa Ilha da Magia. Contou coisas de sua infância, de
quando era aluno na escola primária e das artes que aprontava e das artes que
com ele aprontavam.
Quando Júlio
aqui chegou era o ano de dois mil e oito e o nosso escritor já estava com
oitenta e dois anos de idade. Sabíamos de suas limitações para aguentar uma
maratona como era a maratona de visitar vários colégios em cada cidade. De
suportar as viagens. De enfrentar estradas. De, a cada dois dias em leitos
diferentes e sob um diferente teto dormir.
Mais
Júlio era de ferro. Júlio era incansável. E amava fazer o que fazia. Conversar
sobre livros. Conversar sobre a vida. Escrever. E falar do que ele escrevia. E
do que outros escreviam.
Com
todos conversou ali naquele pátio encantado.
Ali eu vi
crianças que o abraçavam. Crianças por ele sendo abraçados. Crianças, sorrindo,
em seu colo sentadas.
A
surpresa maior foi o almoço vegetariano para ele preparado com requinte no
sítio de Odete e Antônio Olescovicz. Um sítio quase ao lado da Escola de minha
vila. Almoço com todo o carinho encomendado e escolhido pelas mestras da
Escola, pois já sabiam que Júlio era vegetariano.
As
mestras sempre sabem das coisas.
Júlio
ficou surpreso e encantado com a casa em estilo Enxaimel. Com a decoração do
interior da casa. A grande mesa de imbuia. O fogão e o forno a lenha. A horta e
o pomar organicamente cuidados e conservados.
Depois
do almoço o escritor ainda fez questão de conhecer a biblioteca da Escola onde
se extasiou e pasmo ficou com a conservação impecável de livros antigos. Livros
que, disse a ele, fizeram a alegria de minha infância.
E
ao final não cansava de elogiar os professores todos da Escola Manoel da Silva
Quadros que tanto tempo a ele dedicaram. Que tantas horas a seus alunos
dedicaram no intuito de neles incutir o amor pela literatura. O que ele
comprovou ao ver e ler todos os trabalhos pelas paredes expostos. Ao ver e
ouvir todas as vozes que seus textos falaram.
É
dele “Além das cortinas do Alzheimer”, um romance sobre um personagem que além
destas cortinas viveu.
E
entregou-me, com bela dedicatória o livro “Morrer. Para principiantes e repetentes”.
Ensaios seus que publicou em 2008.
Onde
ele cita a poetisa norte-americana Nancy Bird Turner que escrevera:
“A
morte é uma porta na parede de um jardim.
Ao cair da
noite, gentilmente ela se abre.”
Onde
ele nos diz:“Morrer é parte essencial do existir”.
Em 30 de maio foi a vez dele seguir para o infinito para onde tantas vezes sua mente alçou os mais lindos voos.
Texto de Adaír Dittrich
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