terça-feira, 31 de maio de 2016

Projeto “Encontro Marcado”, um marco literário em nossa vila. (III)


    A visita de Júlio de Queiroz
 

            Quando eu penso na quantidade de informações e de conhecimento e cultura da vida e do mundo que um cérebro privilegiado e em constante evolução, como o era o de Júlio de Queiroz, triste eu fico de junto a ele por mais vezes não ter estado.
            Sei que Júlio jamais deixou de transmitir a sua sabedoria a seus circunstantes, tanto em seus colóquios diários como em brilhantes páginas onde sua pena extravasava o seu prodigioso eu.
            Os estudantes e professores da Escola Manoel da Silva Quadros e a comunidade de Marcílio Dias tiveram a oportunidade de perto dele estar e com ele, por horas, conversar quando aqui esteve trazido pela Unimed Canoinhas para mais um Encontro Marcado. Para mais um dia de luzes e letras em nossa vila.
            Em uma cinzenta tarde de domingo ele embarcou em meu carro e junto comigo veio de Curitiba. Vinha ao Encontro Marcado com estudantes do Colégio Colombo Sales, de Três Barras, Almirante Barroso, de Canoinhas e para o Manoel de minha vila.
            Já de início Júlio impressionou-me com seu sorriso, sua voz forte e com uma agilidade ímpar com a qual entrou no carro. Irradiava juventude. Irradiava uma sábia juventude.
            Foi uma viagem cultural. Foram mais de duas horas de enlevo ouvindo Júlio contar de sua vida, ouvindo Júlio contar de seus livros.
            Sobreviveu sorrindo à minha impetuosa velocidade na estrada e às bruscas e súbitas freadas motivadas por intempestivas e repentinas paradas de pesados veículos que seguiam a nossa frente.
            Incólumes e já sob forte chuva chegamos a Canoinhas. Depois de devidamente instalado em seu hotel levamo-lo para jantar e então descobri que, além de vegetariano, frugalmente se alimentava. E o jantar foi maravilhoso. Regado pelas inteligentes palavras de Júlio que me conduziam para outras esferas.
            Júlio era monge beneditino. Entretanto não vivia a fazer pregações religiosas. Não tinha a intenção de melhorar o mundo e quem nele vivesse com meras palavras pomposas. Se alguém que o seguisse se transformasse, transformar-se-ia com seu exemplo de vida.
            Mas eu quero falar do esplêndido dia de Júlio de Queiroz junto ao povo de minha vila. Do dia de Júlio de Queiroz em seu Encontro Marcado junto aos alunos e professores da Escola Manoel da Silva Quadros.
             A chuva amainara. E o dia era de sol. Com cantos e palmas Júlio foi recebido no improvisado auditório entre o pátio e os varandões da Escola.
            Onde viu sua sorridente face estampada em camisetas que professores e alunos, felizes, exibiam.
            Onde viu os trabalhos dos estudantes com variações sobre temas de suas obras adornando paredes.
           Onde crianças declamaram poemas de Júlio. Onde crianças contaram histórias baseadas em livros de Júlio.
Onde crianças se transformaram em personagens dos contos de Júlio em cativantes cenas teatrais.
            Onde Júlio contou de sua vida. De sua vida-criança no Espírito Santo de onde um dia saiu para vir morar em nossa Ilha da Magia. Contou coisas de sua infância, de quando era aluno na escola primária e das artes que aprontava e das artes que com ele aprontavam.
           Quando Júlio aqui chegou era o ano de dois mil e oito e o nosso escritor já estava com oitenta e dois anos de idade. Sabíamos de suas limitações para aguentar uma maratona como era a maratona de visitar vários colégios em cada cidade. De suportar as viagens. De enfrentar estradas. De, a cada dois dias em leitos diferentes e sob um diferente teto dormir.
              Mais Júlio era de ferro. Júlio era incansável. E amava fazer o que fazia. Conversar sobre livros. Conversar sobre a vida. Escrever. E falar do que ele escrevia. E do que outros escreviam.
            Com todos conversou ali naquele pátio encantado.
           Ali eu vi crianças que o abraçavam. Crianças por ele sendo abraçados. Crianças, sorrindo, em seu colo sentadas.
            A surpresa maior foi o almoço vegetariano para ele preparado com requinte no sítio de Odete e Antônio Olescovicz. Um sítio quase ao lado da Escola de minha vila. Almoço com todo o carinho encomendado e escolhido pelas mestras da Escola, pois já sabiam que Júlio era vegetariano.
            As mestras sempre sabem das coisas.
            Júlio ficou surpreso e encantado com a casa em estilo Enxaimel. Com a decoração do interior da casa. A grande mesa de imbuia. O fogão e o forno a lenha. A horta e o pomar organicamente cuidados e conservados.
            Depois do almoço o escritor ainda fez questão de conhecer a biblioteca da Escola onde se extasiou e pasmo ficou com a conservação impecável de livros antigos. Livros que, disse a ele, fizeram a alegria de minha infância.
            E ao final não cansava de elogiar os professores todos da Escola Manoel da Silva Quadros que tanto tempo a ele dedicaram. Que tantas horas a seus alunos dedicaram no intuito de neles incutir o amor pela literatura. O que ele comprovou ao ver e ler todos os trabalhos pelas paredes expostos. Ao ver e ouvir todas as vozes que seus textos falaram.
            É dele “Além das cortinas do Alzheimer”, um romance sobre um personagem que além destas cortinas viveu.
            E entregou-me, com bela dedicatória o livro “Morrer. Para principiantes e repetentes”. Ensaios seus que publicou em 2008.
            Onde ele cita a poetisa norte-americana Nancy Bird Turner que escrevera:
            “A morte é uma porta na parede de um jardim.
             Ao cair da noite, gentilmente ela se abre.”
            Onde ele nos diz:
            “Morrer é parte essencial do existir”.
            Em 30 de maio foi a vez dele seguir para o infinito para onde tantas vezes sua mente alçou os mais lindos voos.

 Texto de Adaír Dittrich
 




 

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