sábado, 8 de agosto de 2015

As festas de São Bernardo em minha vila (Adair Dittrich)

     Minha vila é um pedaço minúsculo, um pequeno torrão incrustado às margens de um rio, o rio que chamado foi de Canoas Mirim, Canoas Pequeno e depois Canoinhas.
No início a minha vila era uma colônia igual a tantas outras colônias que vicejaram por tantos rincões em todas as geografias deste imenso mundo.
E a nossa colônia foi denominada São Bernardo. Porque Bernardo também era o nome do patriarca dos Olsen que, lá chegando, plantou a sua bandeira.
Bernardo, o santo, era um abade francês que, por quase meio século, viveu recluso em um mosteiro onde escreveu memoráveis obras literárias canônicas. Pelos escritos legados e pelo trabalho desenvolvido pela paz, em sua época, recebeu o título de Doutor da Igreja.
E São Bernardo não ficou sendo apenas o nome da colônia, mas, também, o nome de nossa pequena igreja e o da primeira escola, que era a escola alemã.
E vinte de agosto é o dia em que se comemora a festa litúrgica do padroeiro de minha vila.
Volto até os mais distantes dias de minha infância, ao tempo do despontar da memória, e me vêm à tona as grandiosas, para mim, festas comemorativas à data de nosso padroeiro. Sempre em um domingo de agosto e em torno do seu dia.
Festa que começava já no alvorecer com sinos ribombando solenemente e fogos de artifício explodindo no ar.
A pequena construção, que por muitos era chamada de capela, mas que nós sempre conhecemos por igreja, era de madeira e naquele tradicional estilo de estreitas tábuas na horizontal encaixadas umas às outras. Situava-se onde hoje se encontra o pavilhão de festas. E as festas eram realizadas no local onde hoje está a nova igreja, em alvenaria.
Lembro-me da velha igrejinha sempre repleta de fervorosos fiéis assistindo às Missas que aconteciam apenas em um domingo a cada mês. Sempre repleta nos dias de novena, nos dias consagrados à Via Sacra, nos dias de se rezar o rosário.
Onde minha irmã Aline, que era professora na Escola Pública Estadual, dava aulas de catecismo. Onde as comissões que a tudo organizavam se reuniam. Onde se ensaiavam os cantos litúrgicos.
Onde fomos batizados, crismados e fizemos a nossa Primeira Comunhão.
E a grande festa de São Bernardo, sempre em agosto, era o ponto alto de reunião da comunidade. Com o congraçamento de católicos e protestantes luteranos unidos pela alegria.
E  naquele amplo espaço de verde relvado, com frondosas árvores lá espalhadas desenrolavam-se as atividades no decorrer do festivo domingo.
Atividades desenvolvidas em várias barracas de madeira, todas cobertas com verdes ramos de palmeira. Verdes ramos de palmeira que também adornavam os quatro cantos das rústicas e efêmeras construções. Verdes ramos de palmeiras que enfeitavam a entrada da velha igrejinha.
E os palmeirais sumiram … O que fizeram com os resquícios milenares, resquícios de uma era em que o mar era aqui?
Deixar o diletantismo para outro dia. Porque hoje eu quero falar da festa de São Bernardo.
Festa que começava já ao término da Missa.
Porque o aroma da carne sendo assada recendia pelos ares. Em espetos de madeira eram colocados grandes nacos fatiados por especialistas na arte de carnear o gado. Carne que amanhecia mergulhada em secreto tempero, em grandes tinas de madeira, em uma época em que as gélidas noites de agosto impediam a sua deterioração.
Era extasiante ver aqueles espetos cravados na terra, enfileirados, inclinados sobre um rutilante braseiro que ardia em comprido buraco retangular. Braseiro resultante de lenha escolhida para melhor sabor conferir às carnes que estalavam ao fogo.
As galinhas recheadas já vinham assadas dos fornos caseiros das voluntárias que se esmeravam no apuro do tempero e do ponto ao gosto dos frequentadores.
Saladas de tomate e de cebola e a indefectível maionese também já chegavam preparadas em grandes bacias para o deleite de todos. E tudo complementado pelo famoso pão d’água de formato tão nosso, tão regional.
E depois o café, que vinha em grandes bules esmaltados, servido com bolos e cuques de vários formatos e tamanhos. Servido com os pastéis e as coxinhas de galinha que Dona Nena do Restaurante da Estação do trem, Dona Nena, minha mãe, fazia especialmente para a festa.
E era um corre-corre de pessoas para todos os lados. Moças vendendo votos para a escolha da Rainha. Outros e outras colocando pequenas fitinhas coloridas em lapelas, golas ou colarinhos.
Roletas giravam penduradas na vertical de vários palanques sorteando brindes, espalhando alegrias para alguns, espalhando decepção para muitos.
Lembro-me que, ao ver a frustração de meus pequenos sobrinhos, ao nada ganharem, eu ia arrematando todos os números de várias rodadas para que todos saíssem felizes, com algum mimo debaixo do braço.
E havia ainda a famosa pescaria com uma parafernália de pequenas coisas enterradas na serragem. Mimos presos a um barbante parcialmente visível na superfície para que um anzol os puxasse para fora …
Claro que jamais faltava um serviço com todas as gasosas coloridas de então, as cervejas e as demais bebidas espirituosas para acompanhar a churrascada.
E prendas mais valiosas eram arrematadas em leilão que se cantava do alto de um tablado.
E música, muita música, ao vivo, com as bandas da terra. Bandas estridentes, bandas sonoras, com muitos instrumentos de sopro jogando no espaço o virtuosismo de alegres músicos.
E muitos pares de olhos nestas festas se encontraram. E muitos olhos encontraram outros olhos lá também. Muitos sorrisos e muitas lágrimas. Romances que se iniciavam. Amores que lá morriam.
Hoje a festa pode ser diferente. Mas continua sendo festa. Reunindo, em alegria, uma comunidade que nasceu festeira.
Antiga igreja católica de Marcílio Dias.

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