segunda-feira, 8 de junho de 2015

O cerco à vila - História narrada por Adaír Dittrich

       Era uma fria madrugada. Era uma neblina só. Pouco se podia ver, mesmo à pequena distância. Mas, algo de anormal estava no ar… Cachorros latindo em sons e tons diferentes. Uivos e gemidos até. Passarinhos quietos em seus ninhos não avisavam do clarear do dia. Apenas um rouco e solitário cantar de um galo.
Um amanhecer diferente. Mudo o conhecido apito da serraria lá em frente, apito há uma existência ouvido em todas as manhãs, acordando a vila para o trabalho.
Não houve o contumaz ruído dos trens em movimento e nem os silvos das locomotivas. E nem o ronco dos motores dos caminhões ou dos automóveis.
O silêncio daquela manhã era mais silêncio que o silêncio de Finados.
A azáfama era só dentro de casa. O café, o fogo, o preparar-se para o trabalho, para a escola.
A saída de minha mãe, enrolada em sua manta, rumo ao restaurante da estação e o seu abrupto retorno, com as mãos para o alto, clamando aos céus e chorando é a cena inesquecível de um dia que ficou marcado na história de nossa vila, a vila de Marcílio Dias. No instante em que abria o pequeno portão, para sair para a rua, foi, abruptamente, surpreendida por duas baionetas armadas, cruzadas a sua frente e por uma autoritária voz de comando:
“Daqui para fora ninguém sai!”
No Hospital aguardavam-me duas emergências. Duas pacientes com hemorragia. E, mesmo com o desespero de minha mãe, fui até a garagem. Com os sobrinhos que estudavam nos colégios da cidade. Chegamos a entrar no meu carrinho. Cheguei a ligar o motor e tentar dar a ré quando baionetas cruzaram-se, atrás do carro, já na saída que ficava a uns dez metros da rua, em plena propriedade de meus pais.
A voz que falou “a senhora não pode sair” foi tão somente balbuciada, quase humilde, com o olhar que exprimia quase uma súplica, quase um “por favor”.  Eram os meninos de nossa vila, de verde vestidos, que ali estavam com seus pretos coturnos, a ordens maiores obedecendo.
E então vieram outros. Comandados por um sub, truculentamente abrindo caminho entre as flores, no intuito de adentrar à nossa casa. Para encontrar e levar preso um terrível comunista que lá deveria se encontrar e que era o filho de meus pais, que era o meu irmão, que era o advogado do Sindicato dos Mineiros de Criciúma, que era Aldo Pedro Dittrich.
E, ao tentarem entrar, com as botas carregadas de barro, naquela sala de assoalho translúcido eu tive que lhes dizer que delas deveriam desfazer-se e lhes entreguei chinelos. Preferiram ficar só com as imundas meias…
Enquanto vasculhavam a casa, a tudo derrubando, eu pedi ao sub, pelo amor de Deus, que eu precisava ir ao Hospital, que emergências me aguardavam. Recebi só a permissão para um rápido telefonema, sob vigilância, para um colega, pedindo que assumisse as pacientes!
Depois de muito tempo, depois de exaustivas buscas nos porões e no sótão, entre as duplas paredes e tábuas removidas, no galinheiro e nos ranchos e até nas árvores que rodeavam a casa, e nem a nada e nem a ninguém encontrando, retiraram-se, deixando atrás deles um mar de angústia, de desespero, de devastação.
Meu pai, acometido de um mal súbito, sofre uma queda e fratura o braço esquerdo, próximo ao local onde antes havia um câncer há seis anos debelado. Dezoito meses depois ele falece com o aparecimento de novos tumores que já não mais cederam ao tratamento.
E, para minha mãe, que emudeceu depois do grito de dor, a angústia foi tamanha que um infarto se instalou em seu coração.
Nada funcionou normal naquele 30 de abril de 1964 em Marcílio Dias. Nem os trens, nem a serraria, nem a cerâmica, nem a escola, nem o comércio.
Não sei a que horas o cerco à vila teria começado. Mas o operário da firma, aquele que era o encarregado de ativar o fogo para o aquecimento das máquinas e acionar o apito das seis horas da manhã, às quatro e meia da madrugada já tinha sido barrado na estrada. Foi um dia inútil, de uma imobilização inútil, por causa de uma inútil denúncia de alguém inútil, onde muitos pagaram um preço alto por algo que nunca haviam ficado devendo.
Manhã de um dia guardado no fundo do baú de minha memória ao qual jamais eu gostaria de ter tido acesso.
E agora vejo que os heróis que tanto lutaram com suas vozes e suas penas para a restauração da democracia no Brasil, estão sendo vilipendiados e relegados ao mesmo denominador comum daqueles que hoje ocupam os soberanos cargos de direção de nosso país.
 Aldo Dittrich, era advogado especialista em leis trabalhistas,
 faria 76 anos em 21 de Agosto e faleceu em 06 de Agosto de 2003,
 dias antes de seu aniversário.
 Hoje a Sede da OAB de Canoinhas leva seu nome.
Festa da Igrela São Bernardo.- Estas festas eram realizadas na praça onde agora está a Igreja. E a Igreja ficava situada onde hoje está localizado o pavilhão de festas. À esquerda; Adolpho, Aline Tereza, (? ??/ ) . À direita: o Fito (Adolpho Ariel), Arcélia, Érico Jürgensen, Avany, e os piás acho que Décio e Sérgio Jürgensen. 1963

Aldo e a esposa Gecy no aeroporto da Argentina,
desembarcando de um avião para entrar em outro rumo a Paris.
E depois de lá para Moscou em1973 onde ficaram exilados por 5 anos.

Gecy, Françoise Dittrich e a menina Jocasta no antigo restaurante de Marcílio..

Bar pérola. Aldo e Antônio Weinfurter.


Adolfp, Amauri, Aldo em pé. Sentados: Aline, Petronila (dona Nena),
Avani e Adair.
 
Casal Aldo Dittrich e Gecy Varella Dittrich.
 

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