quinta-feira, 25 de junho de 2015

Uma história do Campo do Trigo

            O Campo de Trigo

     Era manhã ainda, meio dia chegando, mal os trens haviam deixado a estação férrea de minha vila e o ruído, agora, era apenas o da serraria dos Olsen que fica do outro lado dos trilhos, quando um veículo diferente surge no pátio ao lado do restaurante.
As pessoas que o ocupam logo dele saem e se dirigem ao balcão onde estava minha mãe recolhendo os últimos resíduos do café servido um pouco antes aos passageiros dos trens.
Entre os que ocupavam o veículo havia um casal e, talvez, mais dois ou três senhores. E o que levava uma criança pela mão foi o que falou com minha mãe.
Contou que estavam hospedados no hotel dos Metzger, ali, a três passos da estação e do restaurante. E, depois, quando vieram até a estação buscar suas bagagens, ouviram de todos as mais elogiosas referências acerca da comida que naquele restaurante era servida. Queriam, então, saber, se poderiam, ali, diariamente, almoçar e jantar. E que seria por período indeterminado. Não saberiam dizer por quanto tempo.
Eram funcionários do governo e iriam dirigir um Campo Experimental de Trigo que ficaria ali perto, a uns quatro quilômetros distante de nossa vila, e apontaram para a direção de onde vinham os trens de União.
Hospedados no Hotel dos Metzger, de manhã, já cedo, partiam os homens naquele veículo diferente rumo a seu local de trabalho.
Mas o quê meus amigos e eu víamos de diferente naquele veículo? Era um veículo igual a uma caminhonete. Pelo menos, naquele tempo o termo apropriado era caminhonete. Depois, muito depois é que começaram a ser chamados de peruas ou vans. Bem, então era uma caminhonete diferente. Toda fechada, claro, com janelas nas laterais e na traseira e com mais bancos que um automóvel comum. E com um espaço atrás, ainda, para a bagagem.
De metal, apenas os para-lamas e o cofre do motor. E o chassi, claro, como toda a parte mecânica. Mas a carroceria, em madeira. Clara. De lei. Lindamente envernizada e brilhante. E, em verde, nas laterais escrito em letras todas maiúsculas para quem e para o quê servia o diferente veículo: “Divisão de Fomento da Produção Vegetal”. E ficamos então com aquele pomposo nome em nossa cabeça.
O chefe da equipe era o engenheiro agrônomo Lauro Fortes Bustamante portador de um inesquecível bigodinho e de um sorriso amigo. E naquele dia-a-dia, de constante convívio conosco, ali no restaurante da estação de minha vila, a amizade foi crescendo, amizade que perdurou pela vida.
E então minha mãe, como não poderia deixar de ser, como não poderia ser diferente, foi logo convidando Dona Clotilde, esposa do Dr. Lauro, para que passasse os dias em nossa casa, pois, não haveria razão para ela ficar os dias inteiros, sozinha, apenas com sua filhinha, segregada a um quarto de hotel.
E assim lá vinha Dona Clotilde, todos os dias, logo que os trens da manhã saíssem, para as dependências de nossa vida. Logo após o almoço, enquanto seu marido e colegas de serviço retornavam ao Campo de Trigo, ficava ela acompanhando minha mãe nas lides do jardim ou da horta ou junto às costuras, aos crochês e aos tricôs.
Os vestidos da modista Dona Nena eram famosos, tão famosos quanto os quitutes raros que ela arquitetava em seu grande fogão de lenha no restaurante da estação. E Nena, como as amigas a chamavam, aprendera a arte da costura, ainda adolescente e garbosa, com uma estilista francesa quando, com seus pais, morava em Curitiba. E passava os seus conhecimentos a quem deles quisesse aproveitar.
E foi lá, ao lado de minha mãe, que Dona Clotilde passava o seu tempo, vendo e aprendendo aquelas coisas todas com minha mãe, enquanto aguardava que a residência onde iriam morar, lá no distante local que nos acostumamos a chamar de Campo de Trigo, ficasse pronta.
Eram muitas as construções em andamento naquela Estação Experimental. Galpões para os implementos agrícolas, galpões para a criação dos mais variados animais, as casas dos demais funcionários e uma outra casa onde seria instalada a administração.
Jamais me esquecerei dos potreiros e das baias. Havia um maravilhoso cavalo de pelagem rubro-escura, muito alto, muito grande. Crina e rabo pretos reluzentes. E que porte altaneiro. O cavalo mais bonito de que me lembro em minha vida.
Com exceção dos galpões, todas as demais edificações eram em madeira, seguindo o tradicional formato de nossa vila, ou seja, tábuas mais estreitas que eram encaixadas umas às outras em sentido horizontal.
Logo que as residências ficaram concluídas tínhamos mais um passeio obrigatório nas tardes de domingo. Visitar o Campo de Trigo e tomar com Dr. Lauro e Dona Clotilde, um delicioso café com bolo.
Pouco tempo se passara e o prédio, em alvenaria, da Escola Agrícola estava pronto também. Escola que foi chamada “Vidal Ramos”. Os alunos logo vieram de todos os cantos. De nosso interior. Do Litoral. Do Oeste. Era uma escola primária em seu começo. Mas com aulas práticas em tudo o que se referisse à agricultura e à pecuária. Além das salas de aula havia o dormitório, os banheiros, a ampla cozinha, o refeitório e tudo o mais que se requer em um estabelecimento que se destina a bem ensinar a arte agropecuária onde alunos permanecem em tempo integral.
Nos seus dias de folga iam os alunos até Canoinhas. A pé. E passavam pelo restaurante para tomar um café e saborear um pastel. Sempre com seus uniformes de brim em cor cáqui. Um blusão que era, dignamente, colocado por dentro das calças.
Lembro ainda da primeira turma que lá se formou. Solenidade no Salão Metzger. Com madrinhas. Com banda de música. Com fogos de artifício. Com discursos. Muitos. Com grande confraternização em churrascada especial nas dependências do Campo de Trigo. Familiares vindos de longe para abraçar e aplaudir. Foi um dia marcante em nossa vila.
Depois a Escola de Práticos Agrícolas foi transformada em Colégio. Ampliaram-se as instalações, aumentaram as vagas. Gerações por lá passaram. De lá muitos partiram para as Escolas Superiores de Agronomia ou Veterinária.
Um marco, sim, um grande marco lá plantado, que serviu de impulso para um aprendizado ímpar aos que das lides do campo vivem.
 Texto de Adaír Dittrich publicado no

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