Orlando Gallotti, ex-ferroviário, conta como era Canoinhas na época da
ferrovia
Há 40 anos, no dia 30 de agosto de 1976, foi desativado o ramal
ferroviário e o trem deixou de circular em Canoinhas. Esta é apenas uma das
lembranças do ex-ferroviário Orlando Gallotti, de 82 anos. As memórias dele não
estão nesta edição à toa, elas são nossa homenagem aos canoinhenses pela
passagem dos 105 anos da fundação do município de Canoinhas.
Ainda na década de 40, Gallotti entrou na Rede como aprendiz.
"Entrei aprendendo com 15 anos e fui nomeado com 17. O lema naquela época
era trabalhar. Ninguém judiava de ninguém e a gente tinha todo o apoio dos pais",
relembra.
Orlando conta que trabalhar desde cedo foi excelente. "Nós
tínhamos responsabilidade desde cedo. Para mim representou tudo trabalhar desde
jovem. Nós tínhamos tempo para tudo: para brincar, mas tínhamos
responsabilidade também", comenta.
Nascido na localidade de Floresta, atualmente município de Papanduva e
que, na época, pertencia a Canoinhas, Orlando é filho de Pedro Ivo e Natalia; ele,
gerente de serraria, foi delegado, rábula e escrivão e ela professora. Orlando
é casado com Flora e possui cinco filhos: Gerson (in memorian), Gilson, Regina, Giovana e Marcelo. O casal tem 10
netos.
As lembranças do ferroviário aposentado são o retrato de uma Canoinhas que
deixa saudades. O município chegou a ter moegas no Distrito de Marcílio Dias
para carregar mercadoria à granel. "Nós chegamos a carregar 42 vagões de
milho por dia", lembra. A mercadoria vinha de Coronel Vivida/PR e outro
lugar. "Vinha da Cotia e era tudo transportado pela estrada de ferro para
a Marítima e Carapicuíba, em São Paulo, e para o Rio de Janeiro", lembra.
O milho era financiado pelo Governo Federal que depois recolhia o grão. Erva-mate
era transportada pela linha férrea. "Quando construíram Brasília foi muita
imbuía, muita madeira daqui", conta.
"Houve um tempo em que ficou fraco o transporte, mas tinha uma
época em que o transporte ferroviário aqui em Canoinhas era muito grande. Eu me
sinto feliz por ter trabalhado na estrada de ferro. Eu gostava do serviço
ferroviário por que era uma amizade muito grande que a gente tinha. Todo mundo
se dava com todo mundo", afirma Orlando que também trabalhou em uma
livraria que ficava nas proximidades da antiga Farmácia Allage. "Tinha um
casarão de madeira grande e na frente tinha uma repartição onde ficava a
livraria e atrás tinha o Cine Teatro Castelães". Quando Orlando trabalhou
lá, na década de 50, o cinema já estava desativado. Enquanto atuava na
livraria, praticou telegrafia na Rede.
Comunicação
Orlando iniciou seus ofícios na Rede na telegrafia. "Eu era
praticante de telegrafia. Depois virei telegrafista. Fui agente de estação,
chefe de estação e supervisor", recorda.
Passou por Serra Alta, em São Bento do Sul, Canoinhas, Marcílio Dias, Caçador. Em Canoinhas, trabalhou na estação que ficava nas proximidades da prefeitura: "os trilhos saíam dali e passavam perto do ginásio do Santa Cruz e iam para Marcílio Dias".
Passou por Serra Alta, em São Bento do Sul, Canoinhas, Marcílio Dias, Caçador. Em Canoinhas, trabalhou na estação que ficava nas proximidades da prefeitura: "os trilhos saíam dali e passavam perto do ginásio do Santa Cruz e iam para Marcílio Dias".
Na época em que Orlando trabalhava como telegrafista, a telefonia era
ruim em Canoinhas. "Toda informação de urgência vinha para a estrada de
ferro. Então era chamado de recado porque não era cobrado. Era
necessidade", lembra. Mortes e nascimentos eram comunicados pelos
funcionários da rede como seu Orlando. As comunicações eram feitas via Seletivo:
um telefone especial que permitia a um centro de controle chamar qualquer
estação de seu trecho e se comunicar simultaneamente com todas as estações
chamadas. "Quando chegava um aviso de falecimento a gente tinha que levar
até a casa da pessoa. Quem é que não vai levar um aviso de falecimento, né?
Quando fazia plantão à noite, então você tinha que bater na casa da pessoa e
dar o recado". Algum tempo isso era feito oralmente, em outros períodos os
avisos eram recebidos na estação e transcritos para o papel. Este
bilhete-telegrama era entregue então às famílias.
A comunicação também acontecia pelo telégrafo: "a gente entrava lá, aprendia o alfabeto Morse primeiro e depois ia praticando no manipulador e o ouvido ia educando. Você pega uma prática: quando é sensível é um ponto, quando é mais firmezinho, mas
ninguém nota, só o telegrafista, é uma linha".
Além de falecimento e óbitos, a população local tinha outras
informações pela comunicação da Rede: quando o time de Santa Cruz ia jogar em
outra cidade, o resultado da partida era conhecido por meio da ferrovia.
Movimento
Toda carga era deixada em Marcílio Dias. "Era deixada em Marcílio
Dias e nós tínhamos uma manobra que ia buscar lá. Todo o dia, 9h50 ela saia
daqui com os vagões de passageiro e ia a Marcílio Dias. Lá vinha um trem de
Porto União, que ia a São Francisco".
Orlando conta que muitos vinham de trem fazer compras em Canoinhas.
Quando deixou de funcionar, foi terrível para quem necessitava: "vinha
muita gente fazer compra. E para o pessoal do interior foi um baque, na
época", afirma.
Extinção do ramal
Quando o movimento decaiu, não foi apenas em Canoinhas, de acordo com o
ex-ferroviário. "Foi uns 10/15 anos antes de fechar". Um movimento
encabeçado por comerciantes pediu a retirada dos trilhos do trem que passavam
no centro do município. Até uma sessão na Câmara Municipal discutiu o assunto. "Na
época do Jânio Quadros veio uma circular, uma ordem, que todos os ramais
deficitários deveriam ser extintos. Daqui de Canoinhas a Marcílio dá quatro
quilômetros. Era pouquinho. Fazendo o cálculo do que vinha neste trechinho o
ramal era deficitário. Transformaram ele em industrial porque tiraram o trem de
passageiro e mais tarde foi extinto o ramal".
Quando começaram a tirar os trilhos por onde passava a Maria Fumaça
(porque a diesel não trafegava em Canoinhas) Orlando não trabalhava mais na
Rede, estava aposentado.
Para ele, Canoinhas perdeu muito com a desativação da ferrovia:
"um engenheiro me disse uma vez que muita gente pedia um ramal ferroviário
em sua cidade e eu não sei se foi alguma comunicação daqui, a gente também não
sabe, mas Canoinhas queria tirar o ramal. Ele não entendia porque um povo
queria tirar alguma coisa que fazia bem".
Quando o assunto é logística, os especialistas são unânimes em afirmar
que o transporte ferroviário é eficiente. Se for conjugado, melhor ainda. Hoje
o Planalto Norte Catarinense luta para recuperar, por meio da Ferrovia do
Frango, aquilo que ignorou no passado.
Orlando conta que havia necessidade de reformar o ramal e a estação na
época da desativação. "A verba para limpeza era pouca, mas isso era meio
geral na época por causa da economia", lembra.
O ex-ferroviário conta que Canoinhas teve transporte conjugado – um
passado que nos faz falta e inveja. "A estrada de ferro é primordial para
um lugar. Porque uma locomotiva reboca quantos e quantos caminhões, né? É
preciso caminhão? Sim. Mas a Rede já tinha o transporte conjugado: caminhão e
ferrovia. A Rede mesmo pegava no interior a mercadoria, colocava no vagão e
retirava do vagão. Era o Rodoferroviário que diziam. Já estava havendo uma
integração", lembra o ex-supervisor. "Para mim a ferrovia é um
progresso. Canoinhas quem fez foi a ferrovia", destaca.
Orlando morou em Taunay, interior de Canoinhas. "Nós crescemos vendo o trem", lembra. Taunay teve um hotel de propriedade de Adolfo Silveira. "Lá tinha também uma água sulfurosa, uma água muito boa pra tomar banho. Naquele inverno forte a água era quente, uma maravilha! E ela tinha um gosto de enxofre. Então tinha gente que parava no hotel do seu Adolfo Silveira...vinha gente de São Paulo se tratar ali. Cansei de ver gente diferente ali. Tinha uma casinha ali com um cano pra tomar banho. Bem pertinho do rio. A água escorria para o rio e parece que você via o sal indo para o rio." Orlando conta que com a venda do terreno o local, na época conhecido como Sonda, transformou-se em lavoura. Taunay era um local pequeno, mas tinha energia elétrica, moinho de trigo, fábrica de xaxim, marcenaria. "Tinha uma fábrica de xaxim. O dono tinha uma lancha, chamada moreninha, que transportava o xaxim pelo rio Negro e aquele riozinho que hoje está assoreado, o rio Taunay, ele subia com um barquinho carregado de xaxim, chamado Visconde de Taunay".
Estas memórias de Orlando mostram o quanto os especialistas em Logísticas estão certos: em certo limite Canoinhas parou no tempo com a extinção do ramal ferroviário.
Seu Orlando com a esposa Flora e a autora deste blog Fátima Santos que sugeriu a reportagem. |
Jornalista Priscila entrevistando seu Orlando. |
Orlando e documentos da época em que trabalhava na rede. Seu Orlando na estação de Marcílio Dias. (O segundo da esquerda para a direita) |
Nenhum comentário:
Postar um comentário