Qual seria a diversão, o passatempo das pessoas nas horas de lazer do início do século passado em uma incipiente vila nos perdidos rincões rodeados de matas, bugios e serpentes?
Para o homem sempre haveria a caça, a pesca e a pesca e a caça em duplo sentido também. Havia a fugida para os bordéis. Mas no minúsculo povoado não havia bordéis. Então procuravam as pequenas e sombrias casas parcamente iluminadas enfeitadas com algumas cortinas vermelhas…
E que faziam as donzelas nas tardes domingueiras? Ficavam debruçadas nas janelas vendo o tempo passar. Para muitas o tempo apenas, pois no povoado a maioria das casas ficava situada em distantes sítios e a centenas de metros por onde, eventualmente, uma carroça ou um solitário cavaleiro passaria.
E foi nesse tempo que o trem chegou a nossa vila. E nele, e com ele, vieram outras gentes. E nele vieram notícias novas. E com ele chegou um novo e diferente motivo para que as moças se enfeitassem e saíssem de dentro de seus vetustos, frios e silenciosos lares de então.
Mas jovens sempre foram jovens em qualquer época. Jovens jamais aceitariam as mesmices, o estático, o frio. Jovens são buliçosos, aventureiros, ávidos pelo que está longe, pelo difícil, pelo complicado.
Jovens que inventavam um local, que poderia ser um celeiro ou um paiol, ou outro espaço qualquer, mesmo de chão batido, para onde levavam suas gaitas, seus violões, suas flautas, seus clarinetes e qualquer outro instrumento de onde tirassem um som.
E assim reunidos, com muita música e alegria dançavam nas tardes de domingo. E assim reunidos e felizes aliviavam as tensões de uma semana passada nas roças e ou sob o ruído das máquinas de uma serraria.
E foi então que outros jovens àquela vila chegaram e num momento de intuição e inspiração resolveram construir um grande salão. Um salão onde a vila pudesse se divertir. Onde o povo da vila pudesse se divertir não só nas tarde de domingos, mas onde a vila se divertir pudesse também em muitas noites de sábado.
E foi então que Alois e Bernardo construíram o grande Salão Metzger. O Salão Metzger que alegrou a vila em muitas tardes domingueiras. O Salão Metzger que alegrou a vila em muitas noites de sábado.
Ampliaram a já grande construção e anexaram um hotel e um restaurante com o necessário bar. Tudo em madeira. E naquele tradicional estilo de estreitas tábuas inseridas na horizontal. E desde o tempo em que eu me lembro, sempre na cor beirando o amarelo e em marrom puxando para o vermelho as molduras das portas e janelas.
Foi um novo impulso para a vila aquela imponente construção, ali, a apenas alguns passos da estação da estrada de ferro.
O Salão Metzger ainda hoje lá se encontra com seu bar e suas lembranças. À frente há um palco onde gerações de músicos abrilhantaram bailes e domingueiras. E, como todo o salão de baile que se prezava, na época, salão de baile aos moldes do salão de nossa vila, tem uma parte superior que se poderia chamar até de camarote. Quase um avarandado que cobre três lados do salão e de onde se descortina tudo o que se passa no salão e no palco. E sob esta cobertura dispostas ficam mesas e cadeiras.
Nos bailes das noites de sábado casais levavam junto seus filhos todos e até os nenês que deveriam ser amamentados. E uma sala especial a eles era reservada que era a sala onde ficava o restaurante. E as mulheres se revezavam para tomar conta da criançada. Para que todas pudessem rodopiar pelo salão ao som das valsas, das polcas, das mazurcas, das marchas, dos xotes, dos foxtrotes e nos mais recentes, do samba.
Lá pelo meio do baile, Lina, esposa de Bernardo e Lúcia, esposa de Alois, desfilavam pelo salão espalhando uma espécie de serragem que tinha a finalidade de melhorar o aspecto do assoalho, amenizar a poeira e permitir que por ali melhor deslizassem os pares durante as danças.
E ainda hoje há uma grande sala que fica ligada ao bar, sendo, talvez, a mais solicitada de todos os dias. É a sala da sinuca e do bilhar. O sagrado local onde todos os jovens de Marcílio Dias são jogados na arena do aprendizado deste insinuante jogo que hipnotiza milhões de aficionados pelo mundo. Coloridas bolas que correm pelo verde feltro, impulsionadas aritmeticamente por longos tacos que dançam nas mãos dos ases que ali circulam são o sonho de garotos embasbacados que, ávidos, querem sorver as lições.
Foi ali que meus manos e depois meus sobrinhos, assim como muitos outros jovens se especializaram nesta arte que os tornariam campeões nos caminhos por onde andaram.
Ao lado da grande construção erguia-se ainda um outro prédio, um território independente que abrigava operários da serraria e outros solteiros que de um teto para morar precisavam. Era a famosa República do Metzger.
Mas o Salão Metzger também era o Centro de Eventos de Marcílio Dias. Lá tivemos solenidades de formatura dos alunos da Escola Agrícola “Vidal Ramos” que funcionava junto ao Campo de Trigo (hoje Colégio Agrícola) e dos alunos da Escola “Manoel da Silva Quadros”. E funciona ainda como sala de reuniões da comunidade e de partidos políticos.
Foram muitas as apresentações teatrais que lá aconteceram. Não só de grupos vindos de fora, como, também as dos artistas amadores de nossa vila.
Houve um tempo que serviu como sala de cinema. Eram sessões muito concorridas que a televisão acabou por derrotar.
Em muitas tardes de domingo, quando já não mais havia os conjuntos musicais íamos até lá com os amigos e nossos aparelhos de som, a fim de passarmos algumas horas ouvindo música, dançando, conversando e ouvindo as histórias que seu Bernardo tinha para nos contar.
E o Salão Metzger lá continua. Imponente, garboso, como um navio a flutuar nas noites enevoadas.
Salão Metzger, hoje Bar do Coringa. Coringa, carinhoso apelido de Wiegando, o caçula de Lina e Bernardo, perpetuando a tradição.
Texto de Adaír Dittrich
Texto de Adaír Dittrich
Construído em 1935 pelo descendente de alemães Bernardo Metzger o Salão Meztger está completando 80 anos. |
Que lindos textos a doutora Adair tem escrito.São de uma nostalgia que chega a nos emocionar.Seus escritos merecem virar um livro, com certeza.
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