Esta história foi narrada pelo ex-ferroviário e morador de Marcílio Dias, Wando .
Senhores passageiros, o trem
parte em um minuto. Anunciava o agente de estação, a cada viagem.
Nas estações tronco, antes de
iniciar as viagens dos trens de passageiros, o agente de estação batia o sino
várias vezes, um minuto antes e, em seguida, anunciava pelo alto-falante, que o
trem partiria em um minuto. O chefe de trem pegava com o agente de estação a
lista de passageiros que embarcavam naquela estação e, estando tudo certo, ele
usava um apito chamado “referi”, como de juiz de futebol. Ele dava um apito
longo e o maquinista entendia que era hora de partir.
Para completar o ritual, na hora
da partida, pelo alto-falante, tocava-se uma música. As mais tocadas eram: O
Trem de Ferro, de Mário Zan (marcha), Silvino Rodrigues (marcha); Segue teu
Caminho; Rapaziada do Brás (valsa); Quarto Centenário, em homenagem aos 400
anos de São Paulo (marcha). Essa era uma das preferidas dos ferroviários e
passageiros. Mate Amargo (rancheira); Branca, de Zequinha Abreu (valsa);
Caprichoso Cigano (tango); Barril de Chope (marcha); Beijinho Doce; Saudades do
Matão; Santa Terezinha; Orgulhoso; Aquela Flor; Tardes em Lindóia; Casinha da
Colina; Desde el Alma; Saudades de Ouro Preto; Sobre as Ondas; Lá Vem o Trem e
Valsa da Despedida.
– Quando o trem ia partindo, o som invadia o espaço
da estação e os carros de passageiros. Estes, então, acenavam para os amigos e
familiares na plataforma. Quando o trem desaparecia, a música era desligada.
Aquela música tocava o coração dos passageiros e da gente. Quanta saudade! –
recorda Wando Sckudlarek, Wando nasceu a 26 de março de 1933, em Poço Preto,
SC. João era agricultor em Rio Claro, Mallet, PR. Em 1930, abandonou a
agricultura e entrou na Rede em Santa Leocádia, SC, na função de turmeiro. Dois
anos mais tarde foi transferido para Poço Preto e, em 1943, foi para Marcílio
Dias, SC, sendo promovido feitor de turma, permanecendo nesta estação até se
aposentar.
Influenciado pelo pai, Wando, em
1948, entrou na Rede como praticante de telegrafista, sem remuneração. Em 1950
foi nomeado telegrafista, em Marcílio Dias. Nessa época, o agente de estação
era Manoel Sanches Gonçalves; guarda-chaves, Manoel Gonçalves; vigia, Leopoldo
Naisser; telegrafistas: os irmãos João Pedro e Mário Aguiar e Orlando Galloti.
Na estação de Marcílio Dias,
havia um restaurante para os passageiros. A responsável era Petronilla Dietrich,
conhecida como Dona Nena. No local, as locomotivas abasteciam-se de lenha para
chegar a Mafra ou a União.
Em 1950, Wando foi transferido
para Rio Natal, SC. Nessa estação trabalhavam os funcionários: agente de
estação, Mieceslau Kabuchoski; telegrafista, João Carlos Lopes; guarda-chaves,
Domingos Sabieski e Damaso Pereira. Em 1952 voltou a Marcílio Dias, onde ficou
até 1978.
– Eu gostava de lá, porque é
minha terra natal, por isso nunca saí. Isso é raro. Geralmente os funcionários
da Rede, eram constantemente transferidos. Em 1967 passei a agente de estação.
Em 1978 fui para Porto União da Vitória como supervisor de estações e fiquei
até me aposentar em 1988, – conta Wando.
Como supervisor de estações, Wando viajava
muito, inspecionando as estações.
– Em 1983 eu estava na estação de
Herval D’Oeste, SC, que ficava à margem esquerda do Rio do Peixe. Nesse ano
aconteceu a enchente que causou grandes transtornos à ferrovia e à população.
No dia 7 de setembro de 1983, tinha muitos vagões vazios na estação. Chovia há
vários dias. Os rios transbordaram e a água foi se aproximando da estação. Os
funcionários da Rede e alguns moradores do lugar, com medo, levaram os
pertences para os vagões. Mas a água subiu tão rápido que quando o trem começou
a se movimentar para ir a um lugar seguro, a água atingiu a parte elétrica da
locomotiva e isolou a corrente. Com isso ela não pôde sair. Eu estava na
estação e vi que a água estava subindo rapidamente. Ela passou por baixo da
plataforma e, em poucos instantes invadiu a estação. A água veio com tamanha
fúria que tombou os vagões que estavam no quadro da estação, alguns carregados
com cimento, milho e feijão. Os vagões, com os pertences foram arrastados,
represando a água perto da estação e até a locomotiva, com cem toneladas ficou
semi-tombada, – lembra Wando.
Foram momentos dramáticos que
deixaram Wando e os colegas apavorados:
– Eu e meus colegas: João Rocha,
agente de estação; Ubirajara Eniert, Waldemar Cherobim, João Matos e Eloir
Depizol,agentes auxiliares; Orlando Shultz e Algacir Golanski, chefes de
segurança, estávamos na estação vendo tudo. Nós fechamos as portas da estação e
fomos erguendo os documentos para livrar da água, que já estava pelo joelho.
Saímos da estação e fomos até a ponte que liga Herval a Joaçaba. Eu fiquei
fotografando. Instantes depois que nós saímos a água veio com tanta força que
arrebentou a porta da frente da estação e também a do fundo e levou tudo o que
havia dentro, inclusive meu equipamento fotográfico que eu ia emprestar para
meu colega. Não havia o que fazer! Eu fotografei tudo da ponte. Foi medonho!
Veio a noite e eu fui para a casa do João Rocha. Quando a água baixou, eu não
tinha como voltar para casa. Havia barreiras, trechos da ferrovia e da rodovia
destruídos. Então fui de ônibus até Três Pinheiros e dali, fui de carona com um
colono até General Carneiro e de lá, a pé, até União da Vitória, – recorda
Wando.
Em meio a muitos obstáculos,
Wando conta como conseguiu chegar a União da Vitória.
– Saímos ás 10 horas de General
Carneiro e chegamos às 22h30 em União. Estava eu e quatro motoristas. Na hora
da saída eles me disseram: “Nós já estamos acostumados a andar a pé,
enfrentando chuva e barro, mas você não vai aguentar”. Eu não dei importância e
respondi que ia junto. Durante a caminhada não havia o que comer. A certa
altura chegamos num boteco, compramos linguiça e comemos crua. Chovia muito e
havia lama por toda parte. Em Xaxim, a estrada desmoronou levando um caminhão
junto e nós tivemos que ir por cima da lama, calçando com tábuas. Numa estrada
que passava pelo Rio D’Areia, passamos pelo desvio, mas os rios estavam cheios
e fazia muito frio. Quando chegamos próximo a União, vimos as luzes da cidade e
eu perguntei: “É Porto União?” Um dos motoristas respondeu que era. Eu
perguntei quantos quilômetros dava até o centro da cidade. “Doze.” Respondeu
ele. A resposta me gelou! Eu lembrei da distância entre Marcílio Dias e Três
Barras. Eu não aguentava mais! Doía tudo! Pensei: “Não sei se vou aguentar.” A
minha bolsa pesava seis quilos, mas durante a viajem parecia pesar cinquenta
quilos. Além disso, fiz o trecho todo com chuva, com guarda-chuva. Em União,
fomos pelo curtume antigo. Quando cheguei em casa, molhado, gelado, cheio de
barro, parei e minha esposa Jurema disse: “O que aconteceu Wando?” Eu nem
respondi. Eu estava sem forças. Então ela providenciou água quente no fogão a
lenha, porque não havia luz entrei na banheira e fui voltando ao normal. Foi
uma aventura terrível! Graças a Deus, tudo passou! – conta Wando, emocionado.
Texto do livro: Trens do autor Arnoldo Monteiro Bach
Fotos: Wando Sckudlarek